quarta-feira, 28 de julho de 2010

Orgulho e preconceito



As pessoas dizem habitualmente com algum orgulho que desconhecem algumas coisas.

" Ah e tal..Kate Perry? Não faço ideia" (riso orgulhoso de quem não sabe e sente que não deve saber)

Eu geralmente, quando não conheço, encho a gramática de pena e digo:

Oh, não conheço. O que é? Mostra-me.

terça-feira, 27 de julho de 2010

não se aprende nada com os clássicos

não durmo
há 3 noites
e 3 dias
e os meus olhos estão mais
vermelhos do que brancos;
rio-me ao
espelho,
e estive a ouvir
o tic-tac
do relógio
e o gás
do meu aquecedor
tem um cheiro
quente
e pesado, junto
com o som
dos carros,
carros presos
como ornamentos
à minha cabeça, mas
eu li
os clássicos
e no meu sofá
está uma puta
encharcada em vinho
que ouviu pela
primeira vez
a 9ª de Beethoven,
e educadamente
adormeceu
aborrecida.

pensa, meu velho, disse-me ela,
com a tua inteligência
ainda és capaz de ser o primeiro homem
a acasalar
na lua.

CB

sexta-feira, 23 de julho de 2010

(É mais ou menos assim que me sinto)


O assassino ameaçado
Magritte

"Voltou as costas para ver os que o observavam e nem se apercebe dos que procuram dominá-lo e prendê-lo. Ele funciona de outra forma, comportando-se com indiferença em relação à ameaça óbvia posta pela realidade"


(e é assim que anseio por me sentir)


A página em branco
Magritte

" Neste quadro, a Lua ergue-se numa constelação impossível - está localizada em frente, e não atrás das folhas"
Hoje sonhei que me diziam que cantava muito bem.


quinta-feira, 22 de julho de 2010

às vezes, desejo que o tempo arda muito devagar. Às vezes, desejo que o tempo arda muito depressa.
Antigamente acontecia-me desejar ser velha. Olhava para as velhas na rua e desejava ferozmente que no momento a seguir, a idade me chegasse à pele, me enrugasse os dedos das mãos, me trouxesse cabelos brancos, dores nos joelhos, nos pés e uma cadeira onde pudesse, com todas as certezas do mundo, depositar o corpo e esperar.
Desejava que o tempo me desse um passado e alguém para quem olhar para o lado e dizer: "lembras-te?" e desejava saltar todas as outras fases da vida e ir cair logo ali, naquele momento exacto. Desejava saltar a fase do corpo jovem, do desejo da carne, da palpitação da proximidade, do sexo, da língua, dos dentes, o tempo da gravidez, o tempo das outras mortes e acordar assim, velha, a definhar horas.
A minha mãe dizia-me, também no antigamente, que eu já tinha nascido velha, com olhar de velha. A minha cabeça funciona como a de uma pessoa nova, mas os meus olhos sentem o tempo das coisas, com uma precisão cirúrgica. "És certeira como uma arma de fogo", diziam-me uma vez.





Não consigo deixar de pensar no filme. Fico o dia todo a ouvir a música, a ver o trailer, a lembrar-me das falas que me rasgaram como facas, a ver as cenas, a pensar, a pensar, a pensar. E a se a minha cabeça pudesse abrir a boca de espanto, era aberta que ela estaria, neste momento. E isto acontece-me agora, não me aconteceu há uns anos quando achei apenas "engraçado". E fico a pensar o que terá mudado em mim e só consigo perceber que mudei, que já não sou a mesma, quando coisas destas acontecem. Ao mesmo tempo, não consigo dizer absolutamente nada, escrever absolutamente nada, sobre o filme.

amor da palavra. amor do corpo

A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que te não vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
 
ARR

domingo, 18 de julho de 2010

I parte




O público tem sempre razão, principalmente o público-rapariga, como eu.
O lynch às vezes enjoa. E sim, eu sei o dedo dele foi "apenas" na produção, mas obviamente que ninguém deixa o lynch meter apenas um dedo. Calculo que toda a gente lhe peça para meter a mão toda.
Passa-se mais ou menos assim: houve uma altura em que eu andava viciada em pão-de-deus com queijo. Depois, passei a recheá-lo com fiambre, e depois de já ter experimentado com queijo e fiambre, mas continuava viciada no pão-de-deus, comecei a comê-lo seco, a molhá-lo no leite e continuava a saber-me bem. Um dia, comecei a achar que o pão-de-deus podia ser alternado com carcaça e que a particularidade de côco que fazia do pão-de-deus, um pão especial, tornava-o agora, apenas um pão. Com o david lynch, parece-me que se passa mais ou menos a mesma coisa que com o pão-de-deus. É um tipo com muita imaginação e eu vergo-me a pessoas com imaginação, porque eu própria sofro quando adormeço, por excesso de imaginação. A minha única ida ao psicólogo, aos 8 anos, retirou de mim, essa bela conclusão: isso - referindo-se ao facto de eu ter sonhos recorrentes e ter pavor de adormecer à noite, ao ponto de berrar, em choro desenfreado, à hora de deitar - é apenas imaginação a mais. É bom sinal. Sonhar é bom sinal. Mas o lynch podia, pelo menos às vezes, tal como eu própria (um lynch em potência) me privo dos donuts com raspinhas coloridas, privar-se de elementos como os anões, para fazer um filme. E o que faz os génios, terá a ver, pelo menos um pouco, penso eu, com a capacidade de saber afastar os elementos que foram geniais num contexto, de outro, onde esses mesmos elementos, não são geniais, nem misteriosos, nem enigmáticos. São ridículos.
O que salvou a coisa, foi mesmo a Grace Zabriskie que só de respirar, já faz valer o bilhete em qualquer filme em que entre. E claro, apanharam o desgraçado do Michael Shannon  que esteve, aí sim, genial, no Revolutionary Road (filme que não adorei), para revirar os olhos mais uma vez.
Os meandros da loucura (digo eu, que não pesco nada disso), são difíceis de concretizar, de filmar, de passar para o papel. E, das duas uma: ou a coisa segue os parâmetros dos manuais do freud e do lacan e sai uma coisa genial aos olhos dos equilibrados ou sai aquilo que saiu no my son my son what have ye done. Uma coisa fraquíssima. O facto da história ser verídica não me parece que traga algum interesse nem ao filme, nem ao argumento. O que mais falta por aí, são casos de filhos que matam pais e pais que matam filhos. E eu tenho algum respeito pelo crime. Acho que se deve ter algum respeito pelo impulso do crime. E digo isto, sem reflectir sobre o perdão, mas com a consciência que o pensamento arrasta o corpo para certezas que não podemos conhecer a não ser quando as conhecemos. O Brad matou a mãe porque sim, porque tinha de a matar. E se ele ouviu Deus a dizer-lhe que tinha de a matar, é porque ouviu mesmo. Ponto final. Ou se fazia um filme a especular sobre o  porquê de uma pessoa ouvir deus e matar ou então, relatar que um tipo se passou da cabeça porque eventualmente viveu uma vida inteira preso à imagem beatificada da mãe e descobre, a partir de um papel numa peça de teatro, que toda a protecção que ela lhe dera, o asfixiara e não conseguindo superar o excesso, prefere aniquilá-la, não é nada de mais. E por favor, não comecem a criar teorias rebuscadas sobre o filme, porque quem começa a matar, sou eu. Obviamente que o falso-suspense sobre os reféns-flamingos era do mais previsível possível. Foi o único golpe honesto do lynch. A ideia, acho eu, era que aquilo fosse mesmo previsível e contrariasse a tendência habitual de não-desvelamento.
    Além disso, parece-me muito redutor, demasiado simples, explicar sempre os homicídios dos familiares como resultado de hiper-protecção. Acontece frequentemente isso. Os putos que matam a mãe ou o pai ou são metaleiros e se vestem de negro ou de certeza que são miúdos protegidos que depois, especula o shrink, não concretizam a separação umbilical na idade certa e lá descambam eles para a machadada. Eu não sou académica, nem numa coisa, nem noutra, nem em cinema, nem em psicologia, mas parece-me que às vezes, só muito às vezes, uma pessoa pode matar, porque sim. Como quem rouba um beijo.


Nota de rodapé: estava a ver o filme e a pensar seriamente que qualquer dia (já ando a pensar nisto há algum tempo), meto-me a fazer comunicação social para ganhar o crédito de fazer critica cinematográfica.
Naturalmente que depois de ganhar o crédito para criticar, o público passa a não ter razão nenhuma, porque o academismo é que é. Seria desflorar completamente a minha perspectiva sobre o cinema, mas hoje, a indignação subiu-me à massa cinzenta e quando eu fico indignada, fico muito profunda e deito lava, como os vulcões. Também pensei que devia aproveitar esta minha faceta, para apurar o sex-appeal.






II parte




Tenho outra dúvida televisiva que já me acompanha, desde as vezes que apanhei estas belas cenas e que agora, volto a apanhar. Não consigo entender se a tvi começou a introduzir um alter ego ficcional na telenovela "Flor do Mar" ou se é mesmo muita falta de jeito dos portugueses. O tipo que faz de pai do rogério samora, é de rir a bandeiras despregadas. Só mesmo ver uma ou duas cenas seguidas entre ele e o "filho", para perceber. É surrealista, simplesmente. A coisa funciona mais ou menos assim. O "pai" com um discurso áspero e monocórdico, faz uma pergunta, do género: filho, tu gostas dela? e o "filho" responde: pai, não sei. O "pai" retoma: tens de pensar bem naquilo que andas a fazer, filho. Tu queres a benedita tanto ou mais do que antes, mas não consegues admiti-lo. Isto parece-me muito bonito de se dizer, mas cheira-me a quem mete a foice na cabeça alheia.
Mas a coisa ouvida é simplesmente hilariante. Porque as pausas entre as falas, nem sequer são disfarçadas, não há interrupções, não há suspensões na respiração, nada. É curioso como isto se torna importante, porque a ideia que me dá a mim, espectador, é que a figura do "pai", se tratará de um fantasma, de uma assombração, uma identidade secreta que poderá ser, eventualmente, a consciência do "filho". Ou seja, aos meus olhos, a personagem do "pai", não existe, não é real e esta compreensão afecta toda a minha percepção sobre o enredo. Há coisas mesmo perigosas na televisão..puxa!

sábado, 17 de julho de 2010

ao pequeno-almoço

(nota para não escrever)

Se o conhecimento é uma forma de escrita, mesmo sem palavras, uma respiração calada, a narrativa que o silêncio faz de si mesmo, então não se deve escrever, nem mesmo admitindo que fazê-lo seria o reconhecimento do conhecimento. Pode escrever-se acerca do silêncio, porque é um modo de alcançá-lo, embora impertinente. Pode também escrever-se por asfixia, porque essa não é maneira de morrer. Pode ainda escrever-se por ilusão criminal: às vezes imagina-se que uma palavra conseguirá atingir mortalmente o mundo. A alegria de um assassinato enorme é legítima, embebeda o espírito libertando-o da melancolia da fraternidade universal. Mas se apesar de tudo se escrever, escreva-se então para estar só.. A escrita afasta concretamente  o mundo. Não é o melhor método, ams é um. Os outros requerem uma energia espiritual que suspeita do próprio uso da escrita, como a religiosidade suspeita da religião e o demonimso da demonologia. A escrita - inferior na ordem dos actos simbólicos - concilia-se mal com a metamorfose interior - finalidade e símbolo, ela mesma, de energia espiritual. O espírito tende a transforma o espírito, e transforma-o. O resultado é misterioso. O resultado da escrita, não.

HH
(sem entender porque choro sempre sobre a repetição)

"Eu penso que a memória entra pelos olhos"
HH



- Tu nunca me contas coisas. Eu sou um livro aberto. Conto-te tudo. Até as cenas mais embaraçosas. Não confias em mim.

- Falar a toda a hora não é necessariamente comunicar.

- Eu não faço isso. Quero conhecer-te. Eu não falo a toda a hora, caramba. As pessoas têm de partilhar coisas. É isso que faz a intimidade.

__________________________________________________________________________

- Joely?

- Sim tangerina?

- Eu sou feia? Em miúda, pensava que sim. Bolas já estou a chorar! Acho que as pessoas ignoram como a infância é uma experiência solitária. Como se fôssemos insignificantes. Aos 8 anos, eu tinha uns brinquedos, uns bonecos. O meu favorito era uma boneca feia que baptizei de "Clementina". Passava a vida a gritar com ela: não podes ser feia! sê bonita!
É estranho. Como se bastasse transformá-la, para eu também mudar por artes mágicas.

- Tu és bonita.

- Nunca me deixes.

- Tu és bonita.
(por favor, deixe-me ficar com esta memória. Só esta.)

__________________________________________________________________________

- Esconde-me num sitio mesmo enterrado.

- Onde?

- Esconde-me na tua humilhação.




Sincero, fabuloso, genial.
"Eternal Sunshine of the Spotless Mind merecia um tratado, uma investigação, uma elegia. Não há uma critica cinematográfica que chegue a tocar em algo profundo do que este filme nos tem para oferecer"
acho que se fosse homem, gostava desta mulher. Isso faria de mim o Lou Reed. Que ambição pobre.




 

sexta-feira, 16 de julho de 2010


gostava de ir ver o Prince. Tenho para mim, que ele e a Ana Moura vão andar enrolados nas dunas do meco depois do concerto. Acho piada aos dois. Ela é gira, tem umas fotos melhores do que outras, mas tem pinta e o prince é estranhamente sedutor. Uma espécie de lagartixa sexy. Ainda não percebi bem como é que ele faz aquilo, mas eu acho-o sexy e sempre gostei dele.



Amo cães. Só me apetece agarrá-los e apertá-los muito e morder-lhes as orelhas e o nariz. Sou muito básica no que toca a comida, animais e roupa. Depois vacilo no que diz respeito à natureza, porque não reciclo e não apanho cócós e estou a regenerar-me em relação às pessoas, procurando ser mais tolerante e fazendo esforços imensos para não desatar aos berros quando me dizem, como aconteceu hoje: compraste o teu cão!? Isso é horrível, as lojas tratam tão mal os animais, eles são traumatizados. Eu sorri, como aquele meu sorriso que, quem me conhece bem, sabe tratar-se de um par de caninos afiados e disse calmamente: mariana, não é bem assim, então..aquilo não é propriamente o circo Chen. Esta rapariga está sempre a contrariar-me, a discordar de mim, não entendo porquê. Se como pataniscas num dia e rissóis no dia seguinte, comenta. Se bebo ice-tea de pêssego é porque bebo sempre ice-tea de pêssego, se deixo os legumes de lado e como a massa, é porque deixo sempre os legumes de lado e isso não é nada saudável, se digo que as teses de mestrado agora têm 50 páginas, diz-me que não ouviu isso em lado nenhum, se falo em borbulhas, ela sente-se atingida porque as tem, se utilizo a palavra pequenina, ela diz-me mas porquê, tens alguma coisa contra as pessoas baixas? Estou mesmo a rebentar pelas costuras e qualquer dia, digo-lhe que posso comer todos os dias, pataniscas variando com outa qualidade de fritos e gelados com raspinhas de corantes porque eu não tenho problemas de saúde como ela. Não tenho úlceras no estômago, nem azia, nem miopia grave e portanto, sou livre de praticar o estilo de vida que a minha condição física permite.
Já lhe disse que tinha o nome de uma música dos Sisters of Mercy que eu adorava, que gostava de ter uma música com o meu nome, já lhe disse que se fosse mais alta, podia perfeitamente ser manequim, porque tinha uma cara muito gira, enfim.. eu ando a fazer sérios esforços pela humanidade e a humanidade não me está a responder.
A Mariana gosta mais de gatos. Teve um gato e blá blá blá. Eu não gosto especialmente de gatos. Não lhes faço mal, mas não gosto deles, acho-os passivos, sem acção, nhó nhós, pouco sociáveis. Gosto de um bicho que me salte para cima das pernas de forma ofegante, quando faço apenas psiu. Os gatos são demasiado espirituais para mim. O cão é um animal intenso, real, terreno. O cão é uma espécie de Júlia Roberts do reino animal. Então, durante esta conversa fiz alguns elogios a gatos que conheço, para não parecer mal (parece que estou a privar a rainha da Inglaterra). Ah e tal, a minha amiga Inês tem o Becas que é um gato que já tem 12 anos, e é muito giro. Era muito giro. Agora já não tem dentes, nem bigodes, nem pêlo, mia mal, tem os olhos ramelosos e passa o dia a dormir. O gato da mariana já se foi. Ela diz que não quer ter filhos, quer ter gatos. Nesse momento, fiz um grande esforço, um esforço semelhante ao esforço de um parto difícil, para não lhe puxar os cabelos e a chamar de cerval.



apetece-me ler uma coisa linda e estranha. Enquanto penso nisso, penso em reconstruir uma linha de caminhos de ferro no meio do deserto. E talvez assim, consiga apanhar o autocarro número 975. E depois, logo a seguir, qualquer coisa fortemente erótica.

de como eu gostava que um vestido de verão me separasse das outras

do que gostava de ainda conseguir ver


do que eu gostava de estar a fazer agora


do impartilhável



Acho esta capacidade que tenho, de me rir em grupo e estar, simultaneamente triste, é difícil de conciliar. No entanto, parece-me ser uma mais-valia social.
Entregaram-me agora uma tese, cujo título prometia alguma revelação. Chama-se "The biophysical basis of excitability". Folheei as primeiras páginas mas as fórmulas sobre a formação dos iões, desmotivaram-me rapidamente. Esperava qualquer coisa mais misteriosa. Se a lógica é biofísica não pode ser misteriosa, está claro. Explicações com fórmulas matemáticas sobre circuitos de membranas e concentração de sódio, dispenso. Prefiro pensar que é tudo uma questão de superfície.

Um pensamento, quando é escrito, é menos opressor, embora às vezes se comporte como um tumor maligno: mesmo arrancando-se, volta a desenvolver-se, tornando-se pior do que antes.

Sempre pensei que se fosse um escritor, seria o Vladimir Nabokov.
Quando leio, nunca sinto a coisa como se fosse minha e gosto de sentir assim, a distância.
Com o Nabokov, sempre foi diferente. Tenho prazer em sentir que diria o mesmo da mesma maneira.
Pior: eu seria capaz de escrever a Lolita.
Pior: a Lolita seria capaz de ser pensada na minha cabeça.
Que desespero. O Desespero.



Tu és metade vítima, metade cúmplice, como todos os outros
As Mãos Sujas
Sartre

Ontem estava a ler o texto de alguém que contava uma história triste. E quase tudo, desde que abrimos os olhos de manhã, até à altura em que os fechamos à noite, nos pode conduzir a pensar. Mas às vezes acontece, que umas coisas nos façam por algum motivo, pensar mais sobre tudo, do que as outras. Talvez porque há coisas que são apenas provocações ao pensamento e outras que, por serem vida, ganham mais peso.
E nós passamos os dias a arranjar problemas, a gostar de umas pessoas a desgostar de outras, a sermos bons e a sermos maus, a amar e a detestar e no meio disto, deixamos de dizer coisas e de fazer coisas, deixamos de dizer coisas a uma pessoa ou só lhe dizemos as coisas más, porque são as mais fáceis e não perdoamos as coisas que às vezes os outros são e que nos magoam, por nós, por não podermos dar aquilo que eles merecem ou que nós achamos que devíamos dar. E não foi sobre isto que estive a pensar, porque isto parece-me claríssimo e presumo que todos estejamos lúcidos sobre as faltas que provocamos entre nós e os outros, entre nós e o mundo. Mas pensei na forma como, ainda que conscientes disto, daquilo que tomamos por tão certo, o tempo e as pessoas, nos desaparecem sem aviso, haver qualquer dispositivo algures na cabeça ou no coração ou lá onde ele se situe, que não nos deixa atravessar esse acaso que sabemos existir e que provoca o bem e o mal, para fazer o máximo pelas coisas certas, pela certeza da presença do outro a ocupar aquele espaço, pela certeza do tempo de nós com o outro. E isto não tem apenas a ver com relações amorosas , mas com tudo o que liga. E eu entendo isto e acho que a coisa se situa entre o óbvio do lamechas e o óbvio-porque-é-que-continuamos-a-viver-da-mesma-forma. Porque não entendo como não somos capazes (alguns de nós), de passar por cima da angústia que o tempo nos dá, para apenas vivermos apenas em cima das horas dele.


A história que li era uma história de engate. Um rapaz tinha conhecido uma rapariga na juventude, tivera um caso com ela. Cresceram, voltaram a encontrar-se, voltaram a envolver-se, afastaram-se e, meses depois, dizem-lhe que ela adoecera e morrera. E é impossível passarmos a vida a agir como se as coisas nos fossem escapar entre os dedos, é impossível agir sempre, falar sempre, escolher sempre, com a consciência moral de que a vida nos escapa quando lhe apetecer escapar. E este misto de lucidez entre aquilo que entendemos e o modo como não conseguimos deixar de viver, de pensar e de ser com os outros, deverá querer dizer que não só não determinamos aquilo que nos acontece como, sobre as coisas que nos acontecem, não temos liberdade nenhuma. E não sei se, no meio disto tudo, o sartre não estava mesmo errado e por isso, nos pareça tão certo. Não sei até que ponto a nossa essência não está antes da forma como existimos.
E isto é a história da revista maria e dos jornais que vão à falência passado uns meses, é a coisa mais banal do mundo, a menos complexa, a mais estreita e pobre para argumento de um filme, a que nos leva a dizer: ah e tal, é a história de sempre e depois há dias, em que a história de sempre, a história óbvia, fácil, comum, a do vizinho do frente, nos faz pensar mais, para depois recomeçar e fazer tudo igual de novo.



Pedro Paixão: é a voz. A voz é que seduz as mulheres. Tens de passar muitas horas ao telefone..

Alvim: Já seduziste alguma mulher pela voz?

Pedro Paixão: Uma?..


Sim, a dar pelo semestre que passei a ouvir-te e a olhar-te, concluo que talvez tivesse sido melhor utilizar apenas o primeiro sentido. Pior que tudo, foi ouvir-te a contar as mesmas piadas sobre mulheres e observar os mesmos movimentos corporais sobre as mesmas piadas. O Pedro Paixão está para mim na mesma lista do Pedro Mexia. Ainda para mais, chamam-se Pedro, um nome masculino que acho verdadeiramente horroroso. Às vezes tenho mesmo vontade de rir quando ouço alguns homens a falar sobre as mulheres. O Paixão é um deles. A velha história de fazer piada sobre a crueldade das mulheres sobre os homens é uma estratégia tão infantil como o jogo do pião e só reflecte as linhas atrasadas de machismo que alguns homens ainda são capazes de vomitar.
Quando penso nas passagens literárias dos quartos de hotel e da máquina fotográfica com as desconhecidas de fim de viagem, procuro distrair-me cantarolando a música do anúncio do pingo doce.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

são loucas
são loucas



sempre achei alguma piada ao fado. Depois de passar a fase adolescente de embirração com a amália e depois de aparecer a d. mariza e a outra moça do prince, comecei a ouvir a coisa com alguma seriedade. A seriedade que é necessária para ouvir música. 
Trabalhar um ano no Chiado também ajudou. Como o carrinho de fado estava muito perto, passava as cinco horas do part-time a levar com discos atrás de discos até que um dia, comecei a delirar descer a rua do carmo ao som do "Barco Negro" e comecei a reparar que a primeira parte do "são loucas", correspondia ao entoar da crença (ela acreditava que ele voltaria) e da segunda vez, o "são loucas", transmite já o desgosto da interrogação, da dúvida.
Pois bem,  um mês depois, passei a pedir ao sr. do carrinho se não se importava de passar a dita faixa, mal eu pusesse um pé fora da loja. Bem dito, bem feito. Ainda aconteceu algumas vezes..



Reza a má língua que a música é "dedicada" ao Caetano Veloso..
Rossio. Valentim de Carvalho. Agora é uma loja de sapatos..
duas compras velhotas.



Apetece-me TANTO feijoada, tanto tanto tanto, que até tenho arrepios.
e depois há livros nas nossas costas, que nos chamam, só para dizer isto.
Li o Um amor feliz há muitos anos. Belíssimo. Acreditei mesmo que aquilo era um amor feliz.

the morning never asks
for more than a pair of sandals
but the night before
keeps its tights on
I am not surprised at the bad taste
with which Life clothes herself,
if the mornings and nights
fade away far from you
Depois do silêncio, a agitação.
Entregar um poema erótico a alguém é um acto de fé.
Nunca me entregaram um poema erótico. É uma das coisas de que tenho pena. Em contrapartida, tenho poemas sobre olhos e córneas e desenhos de olhos. Não percebo bem porquê, mas entregam-me sempre a visão.
Preferia um poema erótico a um poema de amor. Porque o erotismo é mais forte e é mais difícil escolher um poema erótico para alguém, do que um poema apaixonado, porque reconhecer o que o corpo do outro nos faz é mais profundo do que pensar no que o coração do outro nos diz.
E agora não me apetece escrever mais.
A última coisa que me apetece dizer, é que sempre gostei da palavra gozo.

Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
Que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar o ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.

Drummond de Andrade



Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


Drummond de Andrade


Quando vejo, como ontem, a tragédia sentada num banco de jardim, penso que a vida me deu o lado mais absurdamente perfeito que tem para dar.


Afinal não foi nem o jackson, nem o elvis que se escapuliram à socapa. Foi mesmo o Saramago. O Saramago simulou a coisa e a Pilar deve ter ajudado. Concluo isto, depois de o ver entrar no combóio na linha de Sintra e de, observando a reacção dos outros, perceber algum constrangimento no reconhecimento dos traços. Era mesmo a cara chapada, credo.

Remelexo

É também um pouco de uma raça
Que não tem medo de fumaça,
e não se entrega, não

Gosto dos brasileiros. Podem dizer o diabo a quatro sobre eles, que eu continuo a defendê-los. A rapariga brasileira que me secou o cabelo hoje tinha um olhar embevecido. As brasileiras, de forma geral, têm um olhar embevecido, como se estivessem sempre em estado de admiração, de oração, sobre alguma imagem sagrada. Esta rapariga teria, se tanto, uns 25 anos, cabelo negro, comprido, vários brincos em cada orelha, um fio  ao peito com a letra inicial do nome e um piercing muito feio no umbigo. Um penduricalho cheio de brilhantes em forma de cruz e umas cuecas verdes, que se deixavam observar à medida que me fazia rodar a cabeça. Disse-me então: o seu cabelo é tão lindo. Como aquele jeitinho meloso que a língua brasileira traz a qualquer formulação gramatical. O "tão lindo", dizia respeito ao comprimento do cabelo. A forma desprendida e ingénua com que ela exclamou, verdadeiramente maravilhada a olhar para mim, emocionou-me. Eu disse-lhe: mas o seu está igualmente comprido e parece bastante mais forte que o meu. Eu cá só o uso comprido para andar com ele preso! Rimos as duas e ela lá confessou que a grande meta dela, no que diz respeito aos cabelos, é que ele chega à altura do meu. E disse: um dia lá chegarei. E chama a atenção do colega, dizendo-lhe: olha Rodrigo, assim é que eu queriaEu acho tão lindo cabelo comprido.. O Rodrigo, brasileiro afeminado, não ligou muito e prosseguiu com a secagem da outra cliente. Eu disse-lhe que gostava mesmo mesmo, era de ter caracóis ao que ela me responde que nunca se está muito contente com o que se tem. E naquele momento, senti que era capaz de me deixar convencer existencialmente por aquela rapariga. Eu já sabia que ela me ia dizer aquilo, que cada um quer o que não tem, mas a “moral” que vem da boca dos brasileiros, não sei porquê, sabe-me sempre a uma moral mais pura do que a que brota do bater no peito das beatas da missa de Domingo.
     Já tive colegas brasileiros em várias situações de trabalho. O Wagner, fantástico colega, dizia-me sempre, quando eu ia de folga: bom descanso. Nunca me tinham dito, nem eu tinha nunca ouvido semelhante expressão e achei aquilo fabuloso. Bom descanso para quem ia descansar. Parecia-me perfeito, mais perfeito do que um até quinta. Ao longo dos tempos e depois de privar com mais alguns, comecei a perceber que era comum o desejo de bom descanso para as folgas ou para o fim-de-semana. E agora sou eu própria a desejar bom descanso, quando alguém se ausenta.
    A brasileira com quem trabalhei e que tinha a mesma cruz de baptismo que eu (ela com água benta e eu só com o nome), era bailarina. A  K. só bebia leite com chocolate e comia pão com manteiga. Não podia engordar muito. Era engraçada, meio ruiva, com muitas sardas pela cara e algumas no pescoço e tinha um sonho tremendo com o bailado. Um dia, mostrou-me umas fotografias que trouxe do Brasil com actuações dela. Na verdade, ela falava muito de dança, mas nunca imaginei que a coisa fosse muito séria. Quando olhei as fotos, mal a reconheci. Lembro-me bem que eram recortes de jornal de espectáculos em que ela participara. Ela olhava para aquilo com uma nostalgia no olhar, que me deixava sem palavras. Chegou cá com o marido, que vinha a trabalho e abandonou, por meses, por anos, a carreira que desejava. Era muito reservada. Na altura fiquei intrigada com tamanho recato, e suspeitei preconceituosamente, que me estaria a enganar. Mas não dava mesmo para enganar. Porque quando um brasileiro diz nossa sobre alguma coisa, é porque o que vem a seguir, é sentido.
    Depois tive um emprego em part-time, onde me cruzei com outro brasileiro e com outra brasileira. A verdade é que eu sempre que posso, me meto com os brasileiros. Ou é por causa das músicas ou dos actores das novelas ou das expressões ou porque os acho tão simpáticos que acabo por não resistir eu própria, a restribuir a simpatia. Ora neste caso, eu cantarolava. E eles riam-se e diziam que eu tinha melhor pronúncia que muitos brasileiros. Ficou prometido que me apurariam o samba, coisa que infelizmente não aconteceu. Boa gente aquela.
    Uma noite, quando regressa das aulas, de combóio, a brasileira que sempre entrava na mesma carruagem que eu, ao ver passar o apelidado homem-elefante pela deficiência zoológica que carrega na cara, pergunta-me, em jeito de comentário: santo deus, como é possível a vida ser tão cruel com esse homem.. Lá lhe contei a história que eu própria ouvi contar sobre o caso. Ela demonstrou um tom tão profundamente desgostoso e repetia tão incessantemente a responsabilidade de Deus naquilo, que se torna impossível não ficar a pensar na mão cheia de humanidade que o olhar para o outro pode significar. Chegou a ser constrangedor, porque ela revelou-se francamente chocada. Eu lá lhe disse, na tentativa de aliviar a imagem, que ele conseguia comer e beber, mas apercebi-me que naquele momento, ela baixou a cabeça, mudou a expressão sorridente na qual eu já tinha reparado várias vezes e calou-se. Até amanhã, disse-me, antecipando-se ao meu levantar do banco. Sabia que eu saía naquela paragem. Ela seguiu.



Aprendi com esta música que cadeiras também são ancas.
E que a coisa tem a sua força, lá isso tem.







quarta-feira, 14 de julho de 2010

ficção

Desde manhã que me anda a cheirar ao "sabão do antigamente", o sabão azul.
Bem sei que estando o dia todo no covil das ciências, é natural que os cheiros se percam, mas isto está a intrigar-me. Já espreitei à janela, não fosse o jardineiro estar a regar as plantas com qualquer ideia nova, mas nada. Parece que é o vento que o traz. É mesmo estranho. Se calhar vem do céu. O céu é feito de sabão azul.
Agora, além de me cheirar, apetece-me morder uma barra.
Que dia..
Confesso que sempre senti alguma inveja dos pagodes próximos dos botequins brasileiros com um pé de samba à mistura.



O sr. ed motta é assim para o demasiado belluciano, mas a voz é uma coisa.
“Gostaria de construir uma casa com os meus filmes. Alguns são a cave, outros as paredes, outros, ainda, são as janelas. Mas espero que todos, no final, sejam uma casa.”


"Os filmes devem deixar de ser filmes, deixar de ser histórias para se tornarem reais, de modo que nos perguntemos o que isso tem a ver com o nosso caso, com a nossa vida."

R.Fassbinder

Espero que isto explique o facto de ter chorado compulsivamente a ver "O Leitor". Corrigia uma coisa ao Fassbinder e substituía a vida pela cabeça.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Kramer contra Kramer



Faz-me uma certa confusão ouvir uma rapariga na tv, a dizer que se vai candidatar ao curso de administração pública porque o sonho dela é mesmo ir para a união europeia. Eu não entendo nada de sonhos femininos, muito menos, de sonhos femininos ambiciosos. Percebo de sonhos femininos em ser mais bonita, mais magra, ter mais cosméticos, mais mamas, mais lingerie, umas pernas mais bem torneadas, um cabelo vistoso, um rabo melhor, isto eu entendo, tenho de ser franca. Compreendo a anorexia, a bulimina, as operações plásticas, as reconstituições do hímen, as unhas de gel e até acho tudo legítimo e em carta medida, natural.  Mas ouvir uma rapariga dizer que o sonho dela é ir para a união europeia, deita tudo por terra. Sonhar com um curso é sonhar com literatura, com filosofia, com pintura, é pensar que se vai para escultura com o objectivo de desenvolver um trabalho em arte pública (isto sim, utópico), é querer ser jornalista, sociólogo, vá.. advogado.. mas ir para a união europeia é um sonho tão rebuscado, tão seco, tão cinzento, tão sem graça, tão pouco sonho, que ao ouvir isto, só tive vontade de lhe dar um par de estalos (que exagero) e um vale para descontar em maquilhagem na MAC.


os homens que se aproximam demasiado de mim, acabam sempre pior, do que antes de me conhecer. é impressionante. Mas também só se aproxima de mim, um determinado tipo de homens. Assim em larga escala, são homens que se vêem mais a eles, do que ao mundo. E este percurso é justamente o que eu ando a fazer, mas ao contrário. Portanto a culpa também está um bocado do lado deles. Tinha uma amiga no liceu que nos meio das aulas, olhava para mim e dizia: tu és um bocado maldita, sabias? Eu ria-me. Tem alguma graça ser um bocado maldita no liceu e os lados negros, sempre me puxaram muito. é uma coisa adolescente que conservo. Tinha apostado comigo, que desta vez, era capaz de se quebrar o feitiço, mas não. E isto, visto ou lido, pode parecer uma coisa de cinema, mas não é. e eu não queria que acontecesse, porque sei que gostaram de mim, são homens bonitos e bons, mas não sei que pensar. Porque eu fiz coisas diferentes, pensei coisas diferentes, senti coisas diferentes, planeei coisas diferentes, afirmei coisas diferentes, e na prática, está sempre tudo cercado de arame farpado. e sinto que será qualquer coisa que vem de fora. não sou exactamente eu, mas o que me rodeia. porque eu tenho uma força tremenda sobre as coisas e consigo, quase sempre, derrotar o mal. Por isso não entendo isto, mas sei que anda por aqui a rondar. Eu sinto-o de uma forma forte. isto não acontece com as raparigas que se aproximam demasiado de mim. e como não acredito nem desacredito muito em nada, pode ser qualquer coisa.

E isto também serve para afastar qualquer tentativa de engate via blog.

às vezes penso, se não será tudo inocentemente possível, dr. Humbert Humbert


Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta:
the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap,
at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta.
She was Lo, plain Lo, in the morning, standing four feet ten in one
sock. She was Lola in slacks. She was Dolly at school. She was Dolores on
the dotted line. But in my arms she was always Lolita.




O que eu ouvia esta música quando era pequena.
raio dos brasileiros..

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A rita diz-me "não penses nisso" e eu não vou pensar

quando o que apetece fazer é isto,


                                          mas o que podemos fazer é isto,

penso:

que a forma como arranjamos problemas ao mundo é uma coisa estranha. Ao mesmo tempo que lhe trazemos, pensamos nós, alguma complexidade, matamos nele, aquilo que ele nos quer dar sem obstáculos naturais: o acontecer-nos coisas, o acontecer-nos pessoas. E, na maioria das vezes, calculo que estejamos quase sempre com metade das coisas que o mundo pensou para nós, com metade das pessoas com quem valeria a pena ficar. Mas eu não consigo ver as coisas assim, ainda que as pense. E que eu saiba, ninguém consegue. Porque o mundo é uma mãe que tem culpa de tudo. Porque a verdade, é que nós não inventamos o mundo. Estamos terrivelmente sozinhos uns com os outros e temos um raio de uma capacidade inultrapassável para chegar ao ínfimo pormenor do problema que temos, mas não conseguimos inventar o mundo. Ele surgiu antes de nós. E alguns, até tentam aliviar a dose de engenho para estar no mundo, mas depois chegam os filmes, a literatura e a doença (vou salvar a música, por razões óbvias, para mim), e acabam com o resto. Detonam qualquer possibilidade que temos de ser sozinhos a fazer coisas solitárias com os outros. O mundo já cá estava e continua depois de nós.
Bem, e este pedacinho de pensamento veio todo de uma coisa parva. O meu cão tem ataques epilépticos. Pequenos, suaves, por enquanto. Teve agora um. Ele tem medo, mas não sabe do quê. Sabe que alguma coisa lhe acontece, durante aqueles segundos, sabe que o corpo não está disponível para andar, que os olhos não reagem ao sinal familiar e que a cauda não abana à palavra de ordem. E aproxima-se de mim, aproxima o mundo dele ao meu, porque acha que eu o posso salvar do desconforto, da dúvida, do mau-estar, da ignorância. Como se de alguma forma, ele tivesse a percepção ou a desconfiança de que o meu mundo sabe mais, tem mais respostas, do que o dele. Mas não tem. Porque eu, tal como ele, desconheço a fonte, o mecanismo que provoca a dor, que distorce o pensamento, que constrói sobre a vida, o problema, porque nós os dois, imaginamos que haja qualquer coisa que certamente é mais forte do que a minha cabeça e o corpo dele e que vem do mundo de uma forma natural e negra para transformar o que queremos que fique, em vestígios.
E eu não lhe posso explicar que acontece mesmo qualquer coisa e não consigo entender que grau de ignorância sente ele, em relação ao que acontece no corpo dele, porque não sei qual o grau da minha ignorância em relação à verdade do mundo.
Small rape
P.R.


A Paula Rego é uma tipa genial. Não percebendo eu, nada de pintura, e tendo já ouvido da boca de malta que sabe da coisa, que ela não é assim nada de especial, mas que sabe desenhar, sabe, continuo a achá-la genial. Ainda para mais, os especialistas nas coisas são uns chatos que destróiem tudo. Os tipos do cinema, descobrem a química do amor e expoem-na de mil formas ardilosas para acharmos - nós, os tipos que entendemos da coisa, porque a provamos sem talheres - que afinal, existe uma compreensão técnica necessária à compreensão psicológica, que não precisa de mais roteiro que o de dois pés assentes sobre o chão. Com a pintura, não me atrevo a ir tão longe mas naturalmente, se gosto de uma coisa (saltando o facto de achar que a devo sempre destruir), defendo-a. E eu gosto da Paula Rego. Gosto principalmente da forma como ela levanta as saias às mulheres, desprotegendo-lhe os joelhos, desnudando-as da obrigação do corpo sedutor e marcando-o simultaneamente, como objecto rude de sofrimento e prazer.

Se ela não faz nada de mais com o pincel, faz com a boca, porque é muito engraçada, diz coisas geniais, porque me faz rir e porque sempre achei que o sentido de humor numa pessoa, revela a inteligência do seu olhar sobre as coisas, sobre o mundo. Depois do Seinfeld e do Sai de baixo (o antigo) e de um ou dois episódios sociais imprevistos, não me lembro de chorar nunca até às lágrimas como aconteceu com a entrevista que a Paula Rego deu à tótó da Ana Sousa Dias na tv2, há uns anos atrás. E não é por não ir muito à bola com a Sousa Dias (que não vou), mas é porque acho sempre genial quando os detentores dos rótulos, destroem os símbolos que os criam.
Hoje, no DN, ela diz coisas e eu rio-me, porque a tipa faz tropeçar meio mundo na própria soberba e faz cair pedestáis, com as respostas mais imprevisíveis e infantis. Parece-me que também o jornalista, na patetice da formaulação das questões, também esteve muito bem..
Ora, diz ela:

- A Paula é feliz?
Não.

- Porque não?
A minha barriga. Sofro disso...Quando me sinto melhor - o diabo seja cego, surdo e mudo [bate na madeira] , é quando estou a desenhar. Ao fim de um dia de trabalho de desenho, sinto-me normal e bem. Mas feliz?... Gosto muito, muito de trabalhar, de fazer gravuras e essa coisa toda. Ai disso gosto!

- Gosta muito de trabalhar porque esquece o Diabo e as maldades todas?
Não esqueço nada, eu estou a fazê-lo! Estou a fazer coisas de que tenho medo.

- Um dia destes tem de mandar fazer um bruxedo para eliminar esses medos todos...
Não gosto nada dessas rezas, ainda faz pior! O melhor é fazer bonecos!

- O seu universo é muito feminino, não há muitos homens.
Há o que arranjo! Não é assim muito fácil arranjar homens para pôr muito tempo quietos e também não sou capaz de fazer homens...

- Mas nesta exposição há poucos homens.
Há os que violam.

-A sua relação com o sexo masculino é um pouco complexa?
O que sabe!?

- Não sei, pergunto.
Complexa como? Eu sou viúva!

- Não tem ambiente? [a propósito de pintar em Portugal]
Não é isso, é difícil porque o meu estúdio não é muito bom. Então, trago para Londres as histórias, as fatos que eram da minha avó e da minha mãe, as bonecas, so penicos, até aqueles clisteres que se dava antigamente - também trouxe um lá de casa. Isso é que eu depois ponho nos quadros cá. Em Portugal, há os livros com aqueles contos todo e é lá que faço as histórias.

- Os corpos dos jogadores são bons modelos? Como o do Ronaldo?
Eu gosto mais dos antigos, porque são pessoas mais a sério. O Valadas tinha um corpo fantástico, era enorme, grande a alto.








Sou tão pirosona.. principalmente a partir das quatro da tarde..
não faço ideia de como ainda me lembro da letra toda.



Gosto muito desta música. Sempre pensei que se um dia guiasse um carro, seria esta que faria dispar o volume.

Your eyes are burning holes through me
I'm gasoline
I'm burnin' clean
 
Hollywood is under me
I'm Martin Sheen
I'm Steve McQueen
I'm Jimmy Dean

[...] Ela olhou a extravagância, visivelmente constrangida, mas não hesitou. Acariciando as pernas, fez escorregar o olho sobre elas. A carícia do olho sobre a pele é de uma doçura excessiva... e produz um horrível som, como um grito de galo [...]

História do olho
B.
Os meus "colegas" acham "estranho" que eu tenha passado a almoçar no centro da vila, em vez de continuar a almoçar com eles na cantina. Não percebo o que possa existir de estranho no facto de estar farta de comer com eles na cantina. Uma pessoa que gosta de outras pessoas, faz um esforço. Eu ando a fazer cada vez mais esforço pelos outros, por mim, para me dar mais e melhor, para gostar de toda a gente, para ao menos achar, se não consigo gostar, que são pessoas "porreiras", mas a verdade é que em mim, a percentagem diabólica é muito mais elevada do que a de pacifista. A verdade é que eu prefiro um muro a um colchão, um bosque, a um apartamento. E ainda que por vezes me veja obrigada a censurar a faceta maldita, para assumir a de boa rapariga, deus é testemunha que nos meus pensamentos mais íntimos, eu chego a zonas perigosas. Agora, assim de repente, parece-me que já estava a falar de outras coisas. Mas mal ou bem, eu faço um esforço por ver no outro, com o meu olho surrealista, um igual. Mas há alturas, em que simplesmente não consigo não provocar os outros, pelo simples facto de serem de ciências. E qualquer risinho, insinuação, explicação mais rigorosa sobre a origem da comichão no nariz, originada pelo espirro, faz-me revirar os olhos e encarnar uma certa Ana, que não vem de cima da nuvem, mas debaixo da terra. E eu, que sempre tive uma grande atracção por subterrâneos, não tenho filtro para nivelar a minha expressão corporal. Sou muito transparente no que diz respeito a prazer, dor,  alegria, tristeza, quando me encontro na versão diabólica. Sou muito opaca no que diz respeito a sensações, quando a Ana que actua, é a que cai de cima da nuvem. Torno-me absolutamente imperturbável. Isto leva-me a considerar que para os outros conseguirem nutrir por mim, um amor incondicional, têm de começar por me odiar. É uma espécie de iniciação ao masoquismo. E isto tem tudo a ver com o facto de eu ser uma pessoa simples.

less is more

"uma coisa é conseguir tocar isto, outra é conseguir escrevê-lo".


Quando conheci o Arvo Part por um puro acaso e ouvi o seu "Fur Alina",  repensei toda a minha opinião sobre o minimalismo. Não entendendo absolutamente nada de piano, interrogo-me sempre, sobre como é possível que isto, me faça franzir o rosto.

.. e pensar que deixei de me chamar Gabriela, por causa da ousadia desta senhora na altura. Sinto-me muito mais à vontade com o nome de uma mulher que transpira sobre as flores do vestido do que com o de uma aristocrata russa infeliz. Enfim, o nome é um coisa importante. Pode determinar para sempre, a forma de andar e de pensar. E eu acredito mesmo nisto.

reflexões sobre mais nada II

domingo, 11 de julho de 2010

Era mesmo isto que me estava a apetecer rever esta noite.
A rapariga que motivou a minha tatuagem dos 15 anos (a partir do visionamento do filme Mad love + o número excessivo de entrevistas e fotografias que tinha dela), e o rapaz que está um senhor-rapaz.
Claro que, depois da tatuagem, veio o anel.
O filme era mau, o enredo passivo. No entanto, a personagem dela trazia-me qualquer coisa familiar.
A Cassie tinha um quarto mágico e um pensamento fora de órbita.
Bem, continuo a achá-la adorável.
Esta minha relação com os filmes sempre me preocupou. Ainda por cima, tendo plena consciência que acredito em tudo o que é projectado numa tela, parece-me que, sempre que penso sobre a influência do cinema na minha cabeça, dou mais um passo em direcção a um precipício qualquer.


Esta miúda não vai ter bom fim. é Trágica. Profundamente trágica.
Quanto a ele, já me convenci sobre umas coisas.

por qué no te callas II

Parece-me bem que a Espanha tenha ganho a final do futebol. Eles são giros, elas são giras, falam depressa, falam alto, gritam nas ruas, barafustam, comem mal e a má hora. É justo. Além do mais, eu sei rezar em espanhol e isso é um feito que vale, pelo menos, meia nacionalidade.

Medo e esperança debaixo do cabelo

Reflexões sobre mais nada I

[...] Até que enfim...........................és tu?.......................
Enfrentarei a situação, descansa...............................juro-te que sim.......................sou corajosa, mais do que imaginas...............Depois?
Tu?........................Enganas-te querido.....................não tenho a mínima censura a fazer-te...............eu..................eu.............deixa lá.......................o quê?..............sem dúvida.................Pelo contrário...............Combinámos falar sempre com a maior franqueza e seria criminoso que me ocultasses tudo até ao último momento. Seria um golpe insuportável. .............................
Como tu te enganas.................como tu.........................te enganas. Tenho.......................Está?....................
Como queres tu que eu saiba se estou fora de mim? Fiz coisas espantosas...................................................
Fica tranquilo. Ninguém se envenena duas vezes........................................................................ ...........[...]


Jean Cocteau
A voz humana