sexta-feira, 16 de julho de 2010



Tu és metade vítima, metade cúmplice, como todos os outros
As Mãos Sujas
Sartre

Ontem estava a ler o texto de alguém que contava uma história triste. E quase tudo, desde que abrimos os olhos de manhã, até à altura em que os fechamos à noite, nos pode conduzir a pensar. Mas às vezes acontece, que umas coisas nos façam por algum motivo, pensar mais sobre tudo, do que as outras. Talvez porque há coisas que são apenas provocações ao pensamento e outras que, por serem vida, ganham mais peso.
E nós passamos os dias a arranjar problemas, a gostar de umas pessoas a desgostar de outras, a sermos bons e a sermos maus, a amar e a detestar e no meio disto, deixamos de dizer coisas e de fazer coisas, deixamos de dizer coisas a uma pessoa ou só lhe dizemos as coisas más, porque são as mais fáceis e não perdoamos as coisas que às vezes os outros são e que nos magoam, por nós, por não podermos dar aquilo que eles merecem ou que nós achamos que devíamos dar. E não foi sobre isto que estive a pensar, porque isto parece-me claríssimo e presumo que todos estejamos lúcidos sobre as faltas que provocamos entre nós e os outros, entre nós e o mundo. Mas pensei na forma como, ainda que conscientes disto, daquilo que tomamos por tão certo, o tempo e as pessoas, nos desaparecem sem aviso, haver qualquer dispositivo algures na cabeça ou no coração ou lá onde ele se situe, que não nos deixa atravessar esse acaso que sabemos existir e que provoca o bem e o mal, para fazer o máximo pelas coisas certas, pela certeza da presença do outro a ocupar aquele espaço, pela certeza do tempo de nós com o outro. E isto não tem apenas a ver com relações amorosas , mas com tudo o que liga. E eu entendo isto e acho que a coisa se situa entre o óbvio do lamechas e o óbvio-porque-é-que-continuamos-a-viver-da-mesma-forma. Porque não entendo como não somos capazes (alguns de nós), de passar por cima da angústia que o tempo nos dá, para apenas vivermos apenas em cima das horas dele.


A história que li era uma história de engate. Um rapaz tinha conhecido uma rapariga na juventude, tivera um caso com ela. Cresceram, voltaram a encontrar-se, voltaram a envolver-se, afastaram-se e, meses depois, dizem-lhe que ela adoecera e morrera. E é impossível passarmos a vida a agir como se as coisas nos fossem escapar entre os dedos, é impossível agir sempre, falar sempre, escolher sempre, com a consciência moral de que a vida nos escapa quando lhe apetecer escapar. E este misto de lucidez entre aquilo que entendemos e o modo como não conseguimos deixar de viver, de pensar e de ser com os outros, deverá querer dizer que não só não determinamos aquilo que nos acontece como, sobre as coisas que nos acontecem, não temos liberdade nenhuma. E não sei se, no meio disto tudo, o sartre não estava mesmo errado e por isso, nos pareça tão certo. Não sei até que ponto a nossa essência não está antes da forma como existimos.
E isto é a história da revista maria e dos jornais que vão à falência passado uns meses, é a coisa mais banal do mundo, a menos complexa, a mais estreita e pobre para argumento de um filme, a que nos leva a dizer: ah e tal, é a história de sempre e depois há dias, em que a história de sempre, a história óbvia, fácil, comum, a do vizinho do frente, nos faz pensar mais, para depois recomeçar e fazer tudo igual de novo.



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