domingo, 20 de setembro de 2009


sonho em ter uma aurora boreal
só para mim

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Hoje, ainda de sandálias, senti um frio imenso nos pés. Desesperada, por causa do frio dos pés. E nisto, continuei a andar, desconfortável, no mesmo caminho que faço todos os dias, sem queixas, sem lamentos, olhando para os outros pés e pensando que possivelmente, estariam igualmente frios, por isso, não haveria motivo nenhum para chorar. Chorar por ter os pés frios e metidos numas sandálias, a meio de Setembro é, no mínimo, lamechas. As pessoas que têm coisas sérias em que pensar, preocupações dignas e que cuidam de uma parte do universo, não têm pés.
Ninguém te perguntar nada é lixado. Ninguém ver que estás farta de andar assim, é lixado. Porque te faz continuar a seguir os passos dos outros, como se fossem os teus e nisto, passas uns dias em que até te ris das coisas, em que até fazes um esquema sobre a forma como, eventualmente, um dia, farás uma tese e basta subires os primeiros de degraus para chegares a casa e já não sabes de nada. Li algumas vezes, que a subida dos degraus, antes de entrar em casa, as escadas, são um espaço de intensa reclusão em que consegues, por vezes, almejar segredos teus e certezas que esperas dos outros e de ti, melhor do que qualquer conversa, profunda ou assim assim, com alguém. Quando era mais nova, relembro de facto, que me acontecia, por vezes, depois da escola, sentar-me alguns minutos nos degraus um andar abaixo da minha porta. Era melhor no Inverno, porque havia pouca luz e dava tempo de escapar ao contrangimento de ser apanhada num contexto anormal por um vizinho mais rápido e silencioso. Lembro-me que me sentava sem ter bem em que pensar, mas aquilo me trazia qualquer coisa que comigo, só tinha ali, onde, de alguma forma, estava a meio das minhas coisas, da minha casa, da saida das minhas coisas, da minha casa. O vão das escadas está a um passo de nós. A partir dalí, podemos fugir para dentro dos outros ou simplesmente, desaparecer.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Estou cansada de pintar as unhas, de esperar o verniz secar, de reparar, no meio da rua, que tenho o bolso das calças rasgado, de não conseguir respirar fundo, de me arderem os olhos, no dia a seguir a tê-los pintado, de ter de prender a franja dos lados, com dois ganchos, de querer tê-la comprida, quando a corto e querer cortá-la, quando a deixo crescer, de me escorregar o saco dos ombros, cada vez que corro para atravessar a rua, de me pisarem quando vou a sair por uma porta, de ter de sorrir de soslaio a quem não me diz nada, de achar que começo a ver tudo como os outros, de começar a não sentir as coisas, as minhas coisas, as coisas para mim, de começar a ver longe, o sentido do que um dia esteve perto, de achar isto errado e conseguir pensar que posso estar muito bem e não notar, de pensar em mim numa casa e ter medo de lá estar sozinha, de que me achem difícil quando sempre fui, aos olhos de quem me vê bem, fácil, de comer sempre a mesma coisa e sentir sempre fome sobre o mesmo, de entrar de manhã num sitio onde não faço nada e ficar especada a olhar para um ecrã ou para os cantos de uma sala, de ninguém me dizer, vamos ser isto ou mais ou menos e isso ser para mais ou para menos, aquilo que me consola e me assegura um lugar, de andar sem saber o que os outros querem de mim e se, não sendo o que já quiseram de mim, ter tempo de me calar e ficar sozinha.
Tenho relido o que escrevo, o que vou deixando mais ou menos marcado e uma coisa é certa: não sendo minha, esta escrita, seria qualquer coisa que acharia muito próxima de mim. Mas nisto, não há nada que me dê mais nem menos, porque me sinto igualmente íntima de outras escritas, de outras palavras, onde vejo o mesmo que na minha, porque talvez seja o mesmo, porque não há mais nada para escrever ou pensar. As coisas começam a minguar à minha vista. É capaz de haver muito pouco para pensar, para viver, para gostar. Duas ou três coisas sobre as quais devemos ter certezas. Na verdade, sinto que cada vez é mais fácil aproximarmo-nos todos uns dos outros, das letras dos outros, do que os outros pensam e do que sentem. Somos cada vez mais, iguais, amamo-nos todos facilmente e vivemos todos as mesmas coisas, queremos todos os mesmos caminhos, as mesmas certezas, os mesmo olhares, vivemos todos a vida que os outros viveram na nossa, sem grandes projectos, recriminamos todos as as mesmas acções, temos todos a mesma ética que é não ter ética nenhuma. Copiamo-nos, sem querer mais nem menos de nós, mas porque só nos vemos naquilo que os outros nos dão, naquilo que nos mostram, num toma lá o que és indiscreto, como se andássemos todos a tocar, simplesmente, várias versões da mesma música.

sábado, 12 de setembro de 2009

don't like to think too much, it makes me think too much,
it keeps my mid on my mind
don't wanna see too much, it makes me see to much
sometimes I'd rather be blind


all the things that they're saying & doing
when they pass me by it just fills me up with noise
it overloads me
I wanna disconnected myself

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

E Hoje?

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Alice: «Como se chamará a isto? Creio que tem um nome..olha, com certeza não tem!»

-I have a lot of dreams.
-Huh? What do you mean? You mean like aspiration?
-No.. no, sleeping dreams.
-Huh, ok. Pretty pointless things but carry on.
-Pointless? No..You' re wrong. Anyway, we all have dreams, i guess. I just remember mine better than most people.
Vou deitar-me.
Levo, definitivamente, uns tentáculos atrás.
Do Rato até Paris:
Ia-te dizer que, já que estás aí, não penses muito. Mas é estúpido e não faz sentido. Além de que pensar pode ter resultados positivos. Tu és o género de pessoa que pode ser o que quiser. É como se em ti vivessem todas as possibilidades. Mas acho que tu não notas.
Às vezes, há coisas que ficam guardadas, sem que as guardemos.
As tecnologias uniram-se ao misticismo e fizeram o favor de arquivar isto.
Na altura, pagou-me um respirar fundo.
O que tem de edificante, tem de assustador.
Porque na prática, eu não queria poder ser muita coisa.
A verdade: releio isto algumas vezes.

Parêntesis

Anda a apetecer-me muito votar no Portas.
Acabou de dizer uma coisa que nunca ninguém me disse e que gostava de já ter ouvido.
Disse-o com convicção, com força, sem pontuação nenhuma. Só ímpeto e punho fechado.
Neste caso muito particular, não faz grande diferença que não seja verdade.
Às vezes, as grandes conquistas passam por coisas assim.
Não há duvida que sou fêmea.
Deito-me sempre muito cedo, e estafado, e no entanto não é visível, no meu dia de trabalho, nada de cansativo.
É possível que não se dê mesmo por nada.
Mas a mim, o que me espanta, é poder aguentar até à noite, e não ser obrigado a ir-me deitar logo às quatro da tarde.
O que me cansa são as minhas contínuas intervenções.
Já disse que na rua andava à pancada com toda a gente. Dou bofetadas num tipo, apalpo as mamas às mulheres, e servindo-me do meu pé como de um tentáculo, semeio o pânico nas carruagens do Metropolitano.
Quanto aos livros, são os que mais me dão cabo da cabeça. Não deixo uma palavra com o seu sentido, nem sequer com a sua forma.
Agarro-a e, após alguns esforços, arranco-lhe a raiz e desvio-a definitivamente da manada do autor.
Num capítulo há logo milhares de frases, e lá tenho eu que as sabotar todas. Isso é-me necessário.
Às vezes, algumas palavras resistem como torres. Tenho que atacá-las várias vezes e, já bem lançado nas minhas devastações, subitamente, na esquina de uma ideia, revejo a torre. Por conseguinte, não a tinha suficientemente demolido. Tenho que voltar ao princípio e encontrar o veneno para ela, e nisto passo tempos infinitos.
E uma vez lido o livro inteiro, lamento-me, pois não percebi nada... naturalmente. Não consegui engordar nada. Continuo magro e seco.
Eu pensava (não era?) que quando tivesse destruído tudo, encontraria o equilíbrio. Possivelmente. Mas o que isso demora, quanto demora!
Henri Michaux,
in As Minhas Propriedades
Nada meu pretende ser uma reflexão triste.
Sou sorridente.
Farto-me de rir com as coisas.
Pode ser que comece a sentir diferente um dia destes.
E deite por terra a sensação constante de que perdi.
Quando me cheira a comida, começo a pensar tudo de forma diferente.
«Uma só coisa é necessária: a solidão, a grande solidão interior. Caminhar em si próprio e, durante horas, não encontrar ninguém - é a isto que é preciso chegar»

Rilke
Às vezes é fácil acreditar no que lemos.
Guardo esta frase desde sempre. Na literatura, há coisas muito boas, mas na vida também e aí, as letras perdem para corpo. Nunca li tudo, não quero ler tudo. Tenho certo que cada livro deve corresponder, em vida, a um passeio solitário.
Acho que as pessoas se iludem um bocado com a literatura.
Fico sempre maravilhada quando alguém dá um pontapé num clássico.
Ninguém pode adorar tudo, reconhecer-se em tudo, sublinhar todas as frases, subscrever todos os textos.
A verdade é que nunca falei muito com ninguém sobre livros. Toda a gente fala com toda a gente sobre livros. A partir de certa altura, tornou-se uma bandeira, um acessório.
Ainda estou à espera de  ouvir alguém que diga: estou a cagar-me para o Rimbaud.
Sempre me bastou conseguir sentir a passagem de um livro numa passagem da vida.
De resto, em mim, da literatura, só ficam as coisas excepcionais e raras, que são as verdades.
Ando a ficar muito moralista.
«Vamos fazer de conta que tu és a Rainha Preta, Kitty»
E Alice tirou a Rainha Preta da mesa e pô-la em frente da gatinha para lhe servir de modelo; contudo, isto não deu resultado, principalmente, disse Alice, porque a gatinha não sabia dobrar as patas como devia ser.
Não sei como fazer das coisas novamente minhas. E nisto, canso-me de sentir e acho incompreensível ter passado a ver tudo assim, tão longe de mim, tão fragmentado. E sei que é tudo injusto e que nisto, só pode haver maldade minha, porque deve ser assim a vida e porque aos outros, também deve doer. A verdade é que nunca pensei que sonhasse com coisas para mim, mas talvez não tenha feito mais nada, além de escolher, de determinar. Bastava que não estivesse agora a começar. Custa-me começar. Que não estivesse sempre a começar tudo. São passos sagrados, que aos meus olhos, só se dão uma vez. Talvez não seja assim, não é de certeza, porque aos outros, os passos acontecem muitas vezes e ninguém olha para trás. E penso nisto, sozinha, não trago nada do tempo que passou, nem levo nada para o tempo da frente. É de mim para mim, como são todas as leituras, todos os caminhos, todos as lições de moral.
«Yes, i' m taking anthibiotics» diz um fulano ao telemóvel entrando pela sala, sem pudor.
Olha, e é melhor que os tomes até ao fim.
Há qualquer coisa nos russos que me encanta. Estava a escrever Outubro vermelho e lembrei-me que delirei quando dei a revolução bolchevique nas aulas de história. «Um passo atrás, para dar dois à frente».

Outubro vermelho

Sem grandes explicações:
a minha necessidade de consolo, às vezes, é tão fácil de satisfazer.
HELSINKI FOREVER / PETER VON BAGH
« O programa de cinema "Contar o Tempo" assenta nessa característica das imagens e sons que permite transformar o tempo em duração e no paradoxo que contrapõe os pontos fixos da memória ao fluxo da passagem da coisas.
O ciclo é constituído por diversos filmes e por percursos entre eles que procuram reflectir sobre a questão do tempo no cinema. Os filmes apresentados constituem registos directos da experiência do tempo, lamentações pela sua passagem, registando e fixando aquilo que é, simultaneamente, tempo permanente e transitório na actividade humana (e suas consequências), nos tempos da Terra, nas cronologias várias do trabalho, dos objectos e dos lugares.
O cinema na sua evidente relação com o tempo cria antes de mais uma experiência da materialidade efectiva da sua passagem: uma duração, um peso, uma espessura que apenas se dilui na vastidão - fora do tempo - que tudo consome. É uma ideia possível de cinema que passa, a de um cinema que, ao mesmo tempo que fixa o tempo num bloco discernível e afirma a sua transitoriedade, abre fendas e cria obstáculos à sua passagem através da poética e mecanismos próprios. São filmes sobre a memória das coisas, do fabrico dos objectos, ficções sobre a mitologia, retratos de lugares e do rasto do tempo que neles permanece ».

Nem a propósito. Principalmente, porque tive muitas dificuldades em aprender a ver as horas e porque acabei de mudar o fuso horário para a opção Paris. Portanto, cinematograficamente, escrevo ao tempo de Paris.

Estou triste. Perdi o Fountainhead, dia 3. Minutos depois, apercebi-me que passou às três da tarde. Também não podia ir. Que pena. Ainda bem que não podia ir.
Esta altura do ano, o tempo a querer ficar fosco mas sem ficar, a trovoada quente e o cheiro a terra, faz-me pensar em casas. Associo sempre este início de Setembro, a mudanças de casa. Não percebo porquê. Nunca mudei de casa. Mas calculo que a mudança ideal seja feita em Setembro. É um mês de que nunca  gostei, porque acho feio e porque não é nem deixa ser. Em Setembro não acontece nada. Não começa nenhuma estação, não é seguro que haja sempre Sol ou sempre chuva, não tem nada de homem e nada de mulher, não promete nada, as aulas são sempre esperadas em Setembro e depois começam em Outubro e associo sempre o mês a perdas. É o mês do caos das primeiras chuvas e das sirenes de ambulância pelas estradas. Preferia escrever noutros meses, não percebo como é que nos fica interdito dizermos coisas no mês ou no dia que quisermos. Porque é que, o que escrevo hoje, não pode ficar noutro dia. Tenho problemas com o tempo. No entanto, gostava de fazer mudanças em Setembro. Transportar móveis, pintar paredes, parece-me um bom mês para esta espécie de carpintaria.

Pronto, afinal o Outono começa em Setembro. Ainda assim, não chega para salvar o mês.



Tenho um sono miserável.
Também já confundi um saco do continente com um gato persa, mas estava muito cansada e o saco estava muito longe.
«Cuidado!», gritou Alice.

Hoje: «Olá Ana, bem disposta?»
Ontem: «Você tem um nome bonito. Ana. Normalmente, vem associado a outro..»
Às vezes, as pessoas conseguem ser absolutamente assustadoras.
Não devia ter feito o favor de lhe imprimir as estatísticas do INE de 2007.
Espero que não venha cá todas as tardes.
Já agora: como é que sabe o meu nome?
A verdade é que a Ana vem associada a outra Ana.
Sou Ana Ana.
Ainda por cima espirrou.
Isto faz-me lembrar um episódio em que dei por mim a ser observada por um anão vestido de caqui.
Estava a limpar uma prateleira e virei-me. O anão estava a um canto da loja, a olhar para mim, melhor, para as minhas costas. Quando me virei, assustei-me e dei um salto. Voltei-me para a prateleira e continuei a limpar. Segundos depois, voltei-me novamente e o anão já não estava lá. Foi muito estranho. Não por ser anão, mas porque estava vestido de caqui, cor de que não gosto, porque é muito próxima do castanho e ao mesmo tempo por ter a pretensão de ser uma cor clara.
Moral da história: consigo detestar simultaneamente castanho e caqui.
Ando a ficar maluca.
Não gosto de passar por sitios onde os outros passaram. Talvez isto constitua uma espécie de dificuldade, visto que quase ninguém desbasta caminhos. Isto faz-me pensar que, se tivesse nascido homem, cobiçaria uma virgem, com toda a certeza.

Fit for pearls

Her breast is fit for pearls,
But I was not a "Diver"—
Her brow is fit for thrones
But I have not a crest.
Her heart is fit for home—
I—a Sparrow—build there
Sweet of twigs and twine
My perennial nest.
Emily Dickinson
vou dormir. Ando com vontade de dormir. Por causa dos sonhos.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Alice ia a dizer: «Há qualquer coisa que não está certa».

Tendo em conta que anteontem sonhei que tinha três irmãs, o encontro fortuito com este neón, pareceu-me animado. Talvez tenha sido um negócio de família, noutro tempo.

Alice disse: «Isso ninguém pode adivinhar».
Os néons sempre me deram a volta à cabeça. Há uma memória que trago que não compreendo bem, porque me parece quase uma memória dentro de outra. Recordo-me de uma imagem que não aconteceu e de estar a recordar-me ali, dentro dela. Talvez tenha chegado dos filmes, das sessões da meia-noite. Regresso sempre a esta imagem, nunca a libertei e ela nunca se quis libertar de mim. Estou deitada numa cama que deixa ver metade do prédio da frente. Sempre ali, no mesmo quarto, que reconheço como sendo o meu, real. O néon está lá. Não consigo identificar as suas formas, apenas os reflexos que penetram no meu espaço e a oscilação do piscar, latente e quase cardíaco, sobre o chão. O conforto da imagem deveria justificar a memória com qualquer parágrafo psicanalítico, sobre grutas e zonas quentes e femininas, ventres de mãe e toda a panóplia literária que sempre encontra uma nesga desgarrada de ignorância, para se alapar em teorias. A verdade, é que são três memórias. Esta, de me lembrar das outras duas, uma dentro da outra, fecha um triângulo. Há coisas que gostava de saber, antes de saber sobre deus.
«Mas sinto-me tão sozinha aqui!», disse Alice.
«Oh, não chores mais!», exclamou a pobre Rainha, torcendo as mãos com desespero. «Lembra-te que já és uma menina crescida. Lembra-te do que já andaste hoje. Lembra-te de que horas são. Lembra-te de qualquer coisa, mas não chores!»
Alice: «É capaz de deixar de chorar só por se lembrar de coisas?» «É assim que se faz», disse a Rainha com firmeza.

«Sei que é uma grande ignorância da minha parte», disse Alice.

É estranho como continuo a achar tantas coisas estranhas. Uma análise das minhas frases, daria uma tendência clara, para esta palavra. E no entanto, não me privo do mundo, em prol desta nuance da minha cabeça. Na verdade, não percebo bem quais são os critérios para a estranheza, mas a pele é mais fácil do que a lógica.
«Não estou ofendido», disse Humpty Dumpty.
Ando a tentar exportar a puta melancólica para aqui, mas não consigo. Será do estado de espírito da miúda ou do processo de transporte da mercadoria?
Será importar ou exportar? Considerando que ela virá de mim, para mim, não devia ser nenhum dos dois, porque não há território novo nem movimento para lá ou para cá. E mais: onde fica a puta em relação à verdade? Antes ou depois? Não percebo, mas vou insistir com a formatação, até que a tipa se decida.

(este comentário não vem no seguimento da minha actual aparente sede de asneiras)
«Nunca peço opiniões para crescer», disse Alice.
É estranho como temos as coisas tão perto de nós, como tudo se toca com tanta facilidade, como tudo é tão alcançável, como os nossos pés chegam, sem grande esforço, a qualquer sitio que os ensinemos a trilhar e ao mesmo tempo, seja tão fora do real, tão longínquo aos meus olhos, que eu me encontre deitada num campo de feno a olhar para o céu azul e a respirar fundo, num dia de Primavera.
Que culpa?
Alice: «Bem te disse que a manteiga não servia para o mecanismo».

Imagina que deus te fez para mim.
Como se a maravilha que vivo fosse só a consequência da sua vontade. Imagina que tudo será perfeito, mesmo que, tão precipitadamente, entendamos ter encontrado o que não existe.

valter hugo mãe in casa de osso

segunda-feira, 7 de setembro de 2009


«Escusas de dizer "exactamente"», observou a Rainha.

É estranha a sensação de alívio, de superior desembaraço, de queda de forças, de sono tranquilo, que a escrita começa a despertar em mim.
Alfabeto fresco aos pés.
Não queria nada que isto acontecesse. Nada de nada. Não gosto da ideia das frases salvadoras, da literatura redentora. Nunca gostei. Era o que mais faltava andar a bajular lombadas.
Acho que chegou demasiado tarde, este sintoma adolescente-maduro de escritor canastrão.
Mas é real. Ouvindo-me, sem voz, acho qualquer coisa sobre o que escrevo, e não penso sobre isso. O que é igualmente estranho. Se escrever, não penso sobre as coisas.
Ou penso ou escrevo. Penso só uma vez, depois escrevo e depois passa. Como se, de alguma forma medicinal, os pensamentos perdessem a sua forma acusatória, insistente e esquizofrénica e regressassem ao seu casulo inicial, de olhares feitos em linhas.
Uma mulher determinada.
Entrei com indicações escassas, mas legítimas, igualmente determinadas a que o corte não incidisse sobre os lados, mas ao meio. Aliás, os lados, seria o principal factor da atenção que ela deveria ter tido ao meu pedido vazio, mas sentido, pensado. Não ligou nenhuma. Era mal encarada, agarrou na tesoura e cortou, após ter feito que sim, que entendia, com a cabeça e a cara fechada,cara de quem tem muitos problemas em casa e está-se a lixar para estratégias de corte de cabelos. Cortou demasiado, lá está, dos lados. Com toda a razão. Não há nada menos importante que uma franja.

Je m'en fous

Despertou em mim uma vontade incompreensível (para mim), em dizer asneiras. Vejo-me a dizer asneiras quando bato com o tornozelo na esquina de um armário, quando o despertador toca e penso que tenho de fazer deslizar o passe por aquelas portas supra-malditas da estação e esperar três segundos que termine o apito e o sinal vermelho que todo o santo dia me quer convencer de que o cartão não foi carregado.
Pior: vejo-me a dizer asneiras, acho que faz sentido, acho que faz parte de mim, que me faz bem, que é justo começar a dizer asneiras, que mereço fazê-lo, que é para os outros e também para mim, que ajuda a passar o que tem de passar, que deve existir uma psicologia qualquer na libertação da asneira, porque suspende mesmo o tempo. Chega a ser filosofia, ciência, qualquer coisa misteriosa que provoca efeito, que contamina.
Sou impaciente, ando mais impaciente, andei uns tempos a não ser impaciente e agora sou outra vez. E então?
Isto anda a ganhar contornos de diário ou é impressão minha?

« Mas porque não grita agora?», perguntou Alice, prestes a tapar outra vez os ouvidos.

Dizendo do trabalho, o que o trabalho é.
Começar a fazer coisas, começar a desempenhar tarefas para as quais nos andamos a preparar em banho maria (se estudou entre aspas) e não sentir nada. Talvez me tenha feito mal, andar anos a fazer coisas para as quais não estudei, para as quais não houve manual, formaçãozinha, professorzinho, aulinha. Na verdade, agora dói-me horrores, quando encontro cenários mais decadentes, pessoas mais deselegantes, mais desinteressantes, mais desonestas, mais e menos tudo, em trabalhitos sérios, com horários, salários a mais de metade dos anteriores e contratos iguais, com clausulazinhas mais enfeitadas. Na verdade, talvez fale de mais, ache de mais, mas continuo a pensar que vale a pena dizer, dizer tudo contra pessoas, dizer coisas que sejam feias e más, a quem achamos que é feio e mau e que é mesmo feio e mau. Continua a custar-me estar calada, fingir-me sem verbo, sem olhar, sem pele, para isto, continua a apetecer-me gritar e sair porta fora e deixar uma acusação na parte de dentro. E sobre isto, a leitura é romântica e pueril, porque é a forma mais honesta de sentir. Quando se pensam nas coisas sérias à distância, é fácil pensar em coisas sérias. Quando se pensam em coisas decisivas, quando pensamos em nós de forma decisiva, é fácil pensar de forma forte e esperançosa.
Mas quando as coisas nos chegam, nos tocam, quando finalmente é a nós que as coisas escolhem, torna-se estranho. Hábito em andar a pensar sempre à distância ou hábito em achar que andava sempre a pensar, qualquer coisa destas, mas que é certa, porque ando mais devagar, porque dois dias dou cinco passos e no outro volto para trás, obrigo-me a isso, porque talvez não saiba andar, sem ter de pensar à distância.
A questão que me coloco, é como seria eu, se não tivesse já visto algumas coisas, ouvido outras, conhecido algumas pessoas, tido alguns horários, se não tivesse trabalhado. Será que iria ver isto de forma diferente? Isto seria bom? Será que seria bom estar aqui, estaria muito grata ao padroeiro dos empregadores? E independentemente disto tudo, deveria estar a agradecer por alguma coisa moral, essencial ou só mesmo pelos 800 euros? Isto para dizer que detesto estar aqui e que falta uma eternidade para acabar este estágio infernal em que me meti. Saber que as pessoas continuam a incomodar-me muito, a provocar-me riso e lágrimas. Todas as pessoas, sem critério de importância ou desimportância na minha vida. Sem escala que me faça absorver mais do amor e menos do desamor. Tudo misturado, ao mesmo nível, fundindo-se e contaminando-se.
É na área, não te queixes, dizem eles.
Está bem, é na área, sim.
Na minha área toda.
Por dinheiro, tudo por dinheiro.
Às vezes, até percebo os hippies.