
« Mas porque não grita agora?», perguntou Alice, prestes a tapar outra vez os ouvidos.
Dizendo do trabalho, o que o trabalho é.
Dizendo do trabalho, o que o trabalho é.
Começar a fazer coisas, começar a desempenhar tarefas para as quais nos andamos a preparar em banho maria (se estudou entre aspas) e não sentir nada. Talvez me tenha feito mal, andar anos a fazer coisas para as quais não estudei, para as quais não houve manual, formaçãozinha, professorzinho, aulinha. Na verdade, agora dói-me horrores, quando encontro cenários mais decadentes, pessoas mais deselegantes, mais desinteressantes, mais desonestas, mais e menos tudo, em trabalhitos sérios, com horários, salários a mais de metade dos anteriores e contratos iguais, com clausulazinhas mais enfeitadas. Na verdade, talvez fale de mais, ache de mais, mas continuo a pensar que vale a pena dizer, dizer tudo contra pessoas, dizer coisas que sejam feias e más, a quem achamos que é feio e mau e que é mesmo feio e mau. Continua a custar-me estar calada, fingir-me sem verbo, sem olhar, sem pele, para isto, continua a apetecer-me gritar e sair porta fora e deixar uma acusação na parte de dentro. E sobre isto, a leitura é romântica e pueril, porque é a forma mais honesta de sentir. Quando se pensam nas coisas sérias à distância, é fácil pensar em coisas sérias. Quando se pensam em coisas decisivas, quando pensamos em nós de forma decisiva, é fácil pensar de forma forte e esperançosa.
Mas quando as coisas nos chegam, nos tocam, quando finalmente é a nós que as coisas escolhem, torna-se estranho. Hábito em andar a pensar sempre à distância ou hábito em achar que andava sempre a pensar, qualquer coisa destas, mas que é certa, porque ando mais devagar, porque dois dias dou cinco passos e no outro volto para trás, obrigo-me a isso, porque talvez não saiba andar, sem ter de pensar à distância.
A questão que me coloco, é como seria eu, se não tivesse já visto algumas coisas, ouvido outras, conhecido algumas pessoas, tido alguns horários, se não tivesse trabalhado. Será que iria ver isto de forma diferente? Isto seria bom? Será que seria bom estar aqui, estaria muito grata ao padroeiro dos empregadores? E independentemente disto tudo, deveria estar a agradecer por alguma coisa moral, essencial ou só mesmo pelos 800 euros? Isto para dizer que detesto estar aqui e que falta uma eternidade para acabar este estágio infernal em que me meti. Saber que as pessoas continuam a incomodar-me muito, a provocar-me riso e lágrimas. Todas as pessoas, sem critério de importância ou desimportância na minha vida. Sem escala que me faça absorver mais do amor e menos do desamor. Tudo misturado, ao mesmo nível, fundindo-se e contaminando-se.
É na área, não te queixes, dizem eles.
Está bem, é na área, sim.
Na minha área toda.
Por dinheiro, tudo por dinheiro.
Às vezes, até percebo os hippies.
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Verdades