quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Burn it blue

Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you

But the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she's free to fly

Woman so weary
Spread your unbroken wings
Fly free as the swallow sings
Come to the fireworks
See the dark lady smile
She burns

And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she's free to fly

Burn this night
Black and blue
So cold in the morning
So cold without you

And the night sky blooms with fire (Y la noche que se encendia)
And the burning bed floats higher (Y la cama que se eleva)
And she's free to fly (A volar)

And all of the dark days
Painted in dark grey hues
They fade with the dream of you
Wrapped in red velvet
Dancing the night away
I burn

Midnight blue
Spread those wings
Fly free with the swallows
Fly
One with the wind
Y él es flama que se eleva

Y es un pájaro a volar
Y es un pájaro a volar
En la noche que se encendió
El infierno es este cielo

And the night sky blooms with fire (Y ella es flama que se eleva)
And the burning bed floats higher (Y es un pajaro a volar)
And she's free to fly
Just a spark in the sky (en una noche que se encendia)
Painting heaven and hell much brighter (es estrella de oscuridad)

Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you

Llorona, outra vez


o meu recente encanto feminino.
conto adormecer brevemente ao embalo da dita.
dependerá da velocidade do mecanismo-músical-mágico
e da vontade de a verter até mim
para a guardar.
cada vez que descubro uma música de que gosto, vibro de felicidade
porquê?



you-can't-touch-me-now suit



GIACOMETTI'S DOG


He moves so gracefully on his bronze legs
that they form the letter M beneath him.
There is nothing more beautiful than the effort
in his outstretched neck, the simplicity of the head;
but he will never curl again in the comfortable basket,
he will never be duped by the fireplace and the fire.

Though he has sniffed out cocaine at the Newark Airport,
we can never trust his good nose again.
He'll kill a chicken in his master's yard,
he'll corner a lamb in the back pasture.
He's resigning his post with the Seeing Eye.

Giacometti's Dog will not ask for water
though he's been tied to a rope in Naples
for three days under the hot sun.
Giacometti's Dog will not see a vet
though someone kicks him and his liver fills with blood.
Though he's fed meat laced with strychnine.
Though his mouth fills with porcupine quills


Giacometti's Dog is coming back
as a jackal, snapping at the wheels
of your bicycle, following behind in his
you-can't-touch-me-now suit.
Giacometti's Dog has already forgotten
when he lost the use of his back legs
and cried at the top of the stairs
and you took pity on him.


He's taking a modern day attitude.
He knows it's a shoot-or-get-shot situation.
He's not your doggie-in-the-window.
He's not racing into a burning house or taking your shirt
between his teeth and swimming to the beach.
He's looking out for Number One,
he's doing the dog paddle and making it
to shore in this dog-eat-dog world.


Robin Becker
Giacometti's Dog (1990)


« Na origem da beleza está unicamente a ferida, singular, diferente para cada qual, escondida ou visível, que todos os homens guardam dentro de si, preservada, e onde se refugiam ao pretenderem trocar o mundo por uma solidão temporária mas profunda. Fora de miserabilismos. A arte de Giacometti parece querer revelar essa ferida secreta dos seres e das coisas, para que ela os ilumine.


Há quatro anos, não mais, no comboio, ia sentado à minha frente no compartimento um velhote medonho. Sujo e manifestamente mau, como veio a provar-se por algumas das suas reacções. Recusando-me prosseguir uma conversa nada agradável, tentei ler mas não conseguia evitar olhá-lo: o velhote era feíssimo. Os seus olhos, costuma dizer-se, cruzaram os meus, já não recordo se por instantes ou não, e senti o doloroso - sim, o doloroso sentimento de que qualquer homem valia exactamente - desculpem, mas pretendo pôr antes o acento em exactamente - o mesmo que outro qualquer. Quem quer que seja, pensei eu, pode ser amado apesar da fealdade, da tolice, da malvadez. Um olhar apenas, demorado ou fugaz, preso ao meu, revelador. E o mesmo que possibilita o homem ser amado apesar da fealdade e da malvadez, permite que até amemos estas. Sem equívoco: não se tratava de bondade minha, mas de evidência.»

O estúdio de Alberto Giacometti
jean genet



Perro Negro

Por la calle

Una Sombra
Se dibuja el eco frio donde va
En un perro, perro negro

Entre el humo que aparece por el bar
No se encuentra con la parca
Porque se hizo un trato para gobernar
Ese perro apareciera
Ese perro apareciera de nagual

Corre Salta brinca saltate la barda
Por si acaso escucha la corriente
De la calle que te va diciendo
Y la banqueta que va murmurando
Las palabras que van caminando
En las paredes busca la verdad
Dicen la verdad, dicen la verdad


Por la noche
Un labrido
En lo oscuro del rincon municipal
Por un eco en el tiempo
Por la mano de ese tata principal
Que se venden que se compran
Pensamientos que nos daban pa pensar

Que se buscan que se encuentran

Las preguntas que se deben preguntar
Quiere Quiere Quiere Quiere Quiere todo
Quieres Quieres Quieres que te quiera

Quieres Quieres Quieres que te adore dore dore
Quieres que te implore
Quiero la verdad Quiero la verdad Quiero la verdad

Lila Downs



Guerrilha Girls

Enquanto estudo arte contemporânea e como se monta/constrói/idealiza uma exposição, para esse malfadado concurso de Almada que, muito possivelmente, estará feito para alguém (terei como tarefa de uma tarde, pesquisar incansavelmente no google todos os nomes da lista de admissão aos testes), lembrei-me destas miúdas.






quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Quando gastas em três dias, 50 euros num curso, 150 noutro, mais 125 no pagamento de um mês de propinas (na opção mais light, naturalmente) e 100 no dentista, portanto, um total de 425 euros (ok, só fiz a conta agora), o dinheiro deixa, por instantes, de ter o seu valor. Perde o simbolismo, flui, inibe-se o «gastou-se» de latejar durante horas na consciência  e passa a parecer, efectivamente, qualquer coisa próxima a um investimento.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Bem-bom, casquinhas e rala-e-rola


Numa tentativa de reaver o meu blog, por ter eliminado, inintencionalmente, o seu endereço e não me recordar da inscrição que lhe atribui, recupero isto, a partir da pesquisa: esta espécie de verdades. Pronto, se é a verdade, não posso censurá-la, deve constar aqui, esta espécie sobre espécies.

«É verdade que só na espécie humana as fêmeas sentem orgasmo?

 

Pela definição que os especialistas em sexualidade dão ao orgasmo, é verdade, sim. Nenhuma femea do mundo animal experimenta o mesmo delicioso prazer que as mulheres. "Não é apenas uma sensação física, mas também emocional e isso não tem paralelo entre os animais", diz o psicólogo Oswaldo Rodrigues. A parte emocional é tão importante nesse momento do bem-bom que algumas mulheres submetidas a testes clínicos sobre sexualidade reclamam de não atingir o ápice do orgasmo mesmo quando os dados laboratoriais teimam em apontar seus indícios físicos, como aceleração dos batimentos cardíacos, contração intensa dos músculos da região pubiana e aumento da temperatura corporal. O fato de o orgasmo ser exclusivo das mulheres não significa que as fêmeas de outras espécies não tirem lá suas casquinhas.
É difícil saber exatamente o que sente um animal, mas dependendo da espécie elas têm prazer ou algo que indique prazer", afirma o etólogo (especialista em comportamento animal) César Ades. As fêmeas de mamíferos, por exemplo, têm o chamado cio, período em que estão prontas para gerar filhotes e fazem de tudo para atrair os machos. "O prazer nesse caso seria uma espécie de prémio para estimular a reprodução", diz César. Mesmo quando não estão no cio, as femeas de algumas espécies mantêm a vida sexual em plena atividade. Os macacos saguis são um bom exemplo. Eles formam casais quase sempre monogâmicos que praticam sexo mesmo fora da fase reprodutiva da femea. O rala-e-rola nesse caso também tem um componente social importante, unindo o casal para que juntos criem os filhos. Os bonobos, um tipo de chimpanzé, não chegam a esse extremo do "casamento dos saguis". As femeas da espécie têm um comportamento bem mais liberal e costumam trocar carícias entre si»





Ainda estou por saber, porque é que o meu filme passa assim tantas vezes nesse tal cineclube de Aveiro.

sábado, 23 de janeiro de 2010


Às vezes, não tenho mesmo certeza nenhuma sobre as coisas. Mas estou certa, de que a culpa não há-de ser minha. Por exemplo, já olhei várias vezes para esta imagem e não consigo perceber se a acho bonita ou pirosa.Tendo a achá-la bonita mas talvez tenha dúvidas quanto ao meu grau de entendimento sobre a técnica que lhe deu origem. Mudando de assunto, mas fazendo-o variar em segredo sobre o mesmo tema, só tenho consciência de confiar visceralmente na cabeça de duas pessoas. O que o empirismo faz a uma rapariga.




Às vezes, com muita modéstia para com o meu coração, ponho-me a pensar, como é que as palavras certas me caiem aos pés. Com esta absolutamente inexplicável capacidade nata de radiografar a cabeça das pessoas, não sei como não consigo pensar sobre isto, que tem a ver com a minha.

« Devo pensar que sabe quem sou? - perguntou.
Pareceu-me ver que eu lhe inspirava, tal como provavelmente a maioria das coisas deste mundo, uma desconfiança muito arraigada no seu íntimo.
- Devo pensá-lo - respondi-lhe.
- E que sabe você de mim?
- Ora vamos - Tudo isto vem a propósito de quê?»

Suicídios Exemplares
Vila-Matas

O maravilhoso de citar os outros é que, na maioria das vezes, ou somos só nós a perceber a relação ou não existe nenhuma. Não é o caso. Existe relação.
«Dizer ao mesmo tempo que há uma perfeição própria das formas separadas e que nada está separado, que tudo se harmoniza pelo poder e pela receptividade: os sinais que caem dos céus, pingos de chuva oblíqua, também se dirigem para os céus; luzentes, são ao mesmo tempo os olhos do rosto e as esferas do firmamento; as colunas de todo o império prolongam os movimentos ocultos da terra e elevam-se sem peso, augúrios. Dizer ao mesmo tempo: aí estive eu, aí nunca estive»

Matérias Sensíveis, Molder.


Decidi abrir as portas ao não-lugar. De facto, não faz qualquer sentido prender-me aqui, sem que o resto dos humanóides possa chegar a mim. Mas por favor, não me tragam muito que pensar, que eu só consigo responder ao que cabe dentro da minha cabeça. Coisas dos clássicos, só revisitando-os através de um sonho ou com um fato de coelhinha da playboy, desperta para a melancholie dos alemães do 2º ano da faculdade, o que faria de mim, uma deutsch playmate da mais baixa categoria, que são as que têm mais para dar. E quanto a lamentos, também devo, assumindo a responsabilidade de ter isto aberto, deixá-los de lado, que pensamentos salvíficos, temos todos, e enchemos a atmosfera de coisas sérias. De qualquer forma, muito possivelmente, numa visão adulta dos corpos, todos aspiramos a chegar-nos bem perto uns dos outros, roçar os sentidos, entranharmo-nos sem nos estranhar, misturarmos qualquer coisa forte e qualquer coisa fraca, cheirarmo-nos e afins processos cogni-muito-pouco-tivos, mas muito tidos, que tendemos a considerar rectos e saudáveis. A forma ideal, é esta. Não são precisos grandes sinais sociais, grandes piscadelas de olho ou convites de amizade. Apreciamo-nos em silêncio, ainda que, conscientes (às vezes), que estar aqui é o mesmo que estar em todo o lado ou em lado nenhum e que talvez só a partir destas ligações em que não estamos ligados, conseguiremos dar-nos à coisa real, que anda à nossa volta todos os dias e que conseguimos apalpar. Talvez só nestes contextos, faça sentido pensar a Alice.


«Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave

Drummond de Andrade

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Ou porque, se tivesse nascido espanhola, saberia amar, beijar e morder em espanhol, coisa que sempre achei que saberia fazer muito melhor. Andei muito tempo, agarrada à ideia de corpo-poesia, de corpo-palavra. Agora, penso no corpo-espanhol. E também, confesso, porque martirizar um colibri entre os dentes, é coisa de mulher que fica desde o primeiro encontro, para a vida de alguém.


Gacela del Amor Imprevisto

« Nadie comprendía el perfume
de la oscura magnolia de tu vientre,
Nadie sabía que matririzabas
un colibrí de amor entre los dientes.

Mil caballitos persas se dormían
en la plaza con luna de tu frente,
mientras que yo enlazaba cuatro noches
tu cintura, enemiga de la nieve.

Entre yeso y jazmines, tu mirada
era un pálido ramo de simientes.
Yo busqué, para darte, por mi pecho
las letras de marfil que dicen siempre.

siempre, siempre: jardín de mo agonía,
tu cuerpo fugitivo para siempre,
la sangre de tus venas en mi boca,
tu boca ya sin luz para mi muerte»

 Lorca

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Ficcionas-me?


« El miedo a encontrarnos con nosotros mismos...(La fuente de todos los miedos.)


Me pergunto: cuando dejarán los hombres de preguntarse? Cuándo renunciarán definitivamente a la teoría y al misterio? Lo que es me parece indiferente a la apariencia y a la esencia. Lo inesencial ha sido siempre definido en oposicíon a la muerte. Todos los pensadores, quiéranlo o no, han asimilado la esencia de la muerte. Las apariencias han constituido a sus ojos todo lo que quiere hacerse indepediente de la muerte. El último pensamiento de cada hombre deforma la vida transformándola en ilusión.
Siempre que separa uno el mundo entre apariencias y esencias, se declara implícitamente contra la vida. Con cualquier tipo de pensamiento, la vida sólo puede perder»

Cioran ou a mais interessante das descobertas psicológicas que fiz nos últimos 7 anos.






Louise Bourgeois


Precisamente a esta hora, alguém escreve. Pressinto que, entre poemas já escritos, há sempre uma outra língua sobre eles. A língua sobre a língua, cria novas passagens. Descobrir o que há, atrás de cada uma, denuncia-te. Nunca fui por aí, percebo que lá chegues, sem que eu possa ver e que a denúncia seja branca, sem chamas, mas quando alguém se ausenta, ausenta-se. A resposta às palavras de um outro, é uma ausência a um corpo. Em leilão, há sempre carne. Precisamente a esta hora, alguém escreve em tom de leilão, mas em branco. Entendes? Entre nós, nem mais, nem menos, nunca arrisquei pensar em novas formas, é um fio que passa, em descargas, sobre o meu coração e diz que tu olhas para as palavras de uma forma diferente de mim. Que tu vês pessoas em palavras e eu não. Eu lanço-as sobre as pessoas e não penso quando me pedem para pensar. Vejo-as, mudas, sem alimento. Não me interessa a sedução.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010


Uma casinha, uma casinha. O meu cálice por uma casinha
(imagem profundamente simbólica, simbólica em si, imbuída de simbolismo, simbólica que chegue, símbolo)
Tenho muita saudade de jardins. De me deitar na relva, numa noite quente, a olhar para o céu. Acho que já disse isto algumas vezes, nos últimos tempos, mas neste momento, parece-me muito longínqua, esta ideia. Há coisas que deixamos de fazer, que querem dizer muito sobre as coisas que nos faltam e sobre as que temos, sobre o que sabemos e não sabemos ser e dar.
Tretas, quero é que venha o bom tempo, não é?


«Todos os dias, das nove às cinco, sento-me à minha secretária voltada para a porta do gabinete e passo à máquina os sonhos dos outros (...)

É esta a minha verdadeira vocação»


Sexto, a partir do Sol. Hoje sonhei com Saturno.Tenho sempre muito para dizer, a toda a gente. Não entendo bem como, se sei que não quero dizer muito a toda a gente. Nada contra, as pessoas são sábias e têm, na sua maioria, jovens e bons corações. Simplesmente, não me apetece falar, porque não tenho nada para dizer sobre as coisas que os outros dizem, e eis que acabo sempre por lhes dizer mais, sobre mim e sobre eles. Quase como se, quanto mais eu travo o pensamento contra ele próprio, mais ele se delicia com a expulsão imediata do cálice, do seu espaço doméstico, a minha cabeça. Será certamente uma vingança genética pelo facto de ter nascido com o lábio superior preso ao inferior. Tento interpretar isto de forma séria, como qualquer coisa que através do meu sangue o faria prever, cuidando de mim e proibindo-me, mas acabo sempre a rir. Não gosto de escrever, de pontuar, não gosto por não gostar, nunca esperei que, dizendo que não gosto, gostem. Não admiro quem escreve, não me brilham os olhos pelos poetas, não me encantam os frutíferos pensadores dos clássicos. Não imagino serões literários a trocar citações com ninguém. Trocava qualquer coisa sobre mim, trocava-me os pés e caminhava-me. Gosto de julgar os livros pelas capas. Gosto de julgar, de achar, de prever, de adivinhar. São coisas certas, que vão acontecendo, sem precisarem do requinte da passagem do tempo. Gosto de julgar os discos pelas capas. Mas, é um facto, tive sempre muito para dizer, sem esforço, sem grandes cuidados, só pelo instinto de entender, pela lógica invertida do, se falar, entenderei. E isto, que podia vir dos livros, não vem absolutamente de lado nenhum. Talvez por isso, o meu corpo faça transbordar, através de uma maquinaria muito pouco inteligente, a literatura do dia, para a dos sonhos. Mas na prática, não há grandes enigmas, coisas históricas, misteriosas, para eu perceber. Estive ali, com um sorriso deslumbrado, no mesmo jardim onde, em criança, olhei para o céu à espera do mesmo. Ontem, deu-se mais. Acontecia qualquer coisa e eu estava dentro dela. Eu, entre duas mulheres que diziam coisas às quais eu respondia. Qualquer coisa acabava ali, ao mesmo tempo que eu respirava profundamente. Inquebrável, a fragilidade. Na verdade, poucos de nós tomamos conta uns dos outros. Como é que eu não percebo que isto é só ficção?

«Tenho o curioso hábito de identificar as pessoas que entram no serviço pelos seus sonhos. Pela parte que me toca, os sonhos caracterizam-nas melhor do que qualquer nome próprio. Há um tipo, por exemplo, que trabalha numa fábrica de rolamentos da cidade, e todas as noites sonha que está deitado de costas com um grão de areia no peito. A pouco e pouco, o grão de areia vai crescendo, até ficar avantajado como uma casa, cortando-lhe o fôlego.

Tenho um sonho só meu. O meu único sonho. Um sonho de sonhos.

É este o meu sonho. Não o encontrarão registado em nenhuma ficha clínica. Ora a rotina do nosso serviço é muito diferente da da Dermatologia, por exemplo, ou da Oncologia. No nosso serviço não se receitam tratamentos. O tratamento é invisível. Há uma certa pureza espiritual neste tipo de assistência médica»

From e in 
Sylvia Plath, Zé Susto e a Bíblia dos Sonhos

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010



«Escrevo. Escrevo que escrevo. Mentalmente me vejo escrever que escrevo e também posso me ver ver que escrevo. Lembro-me escrevendo e também me vendo que escrevia. E me vejo lembrando que me vejo escrever e me lembro vendo-me lembrar que escrevia e escrevo me vendo escrever que me lembro de ter me visto escrever que me via escrever que me lembrava de ter me visto escrever que escrevia e que escrevia que escrevo que escrevia. Também posso me imaginar escrevendo que já tinha escrito que me imaginaria escrevendo que tinha escrito que me imaginava escrevendo que me vejo escrever que escrevo»

El Grafógrafo

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010



Há-de flutuar uma cidade


"há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava

e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade"


Quando «conheci» o Al berto, um ou dois meses antes de lhe saber a morte e poucos dias antes dos meus 17 anos, pensei que um dia, alguns anos depois, faria qualquer coisa sobre a cidade. Andava no liceu e, bem ou mal, pensando pouco nisso, depositando nenhuma ambição e nenhuma lógica nesse projecto académico de 4 anos, sabia bem que faria um curso. Quando o acabei, alguns anos depois, pensei que faria qualquer coisa sobre a memória. Pois também nada fiz.
Agora penso, que bom seria, um dia, um dia qualquer, fazer uma coisa com estes dois pensamentos.
Sempre me encantou a forma como permanentemente escrevia alastrava.

Projecto para amanhã: lulu


Vou roubar um Spitz bebé que me lambeu hoje o dedo numa loja do Apolo 70

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Sehnsucht nach einem Dolch



« Um rapaz e uma rapariga, gente jovem a valer dos nossos tempos. Oskar e Emma de seu nome, amavam-se. Era profundo o seu amor, e ninguém duvidava menos e acreditava com mais fervor neste facto do que eles próprios. Até aqui tudo seria perfeito, só que havia qualquer coisa que lhes faltava, e vamos já dizer o que era esta qualquer coisa estranha e fabulosa que lhes faltava. ninguém, para onde quer que olhassem, os impedia. Tinham licencça, por assim dizer, para se amarem, beijarem, beijocarem e explorarem, sempre que para tal tivesse vontade. Mas era precisamente esse o problema: na ausência de entraves, cada vez menos tinham vontade de se dedicar a esta edificante ocupação. Se alguém viesse intrometer-se e os proibisse de trabalhar, a vontade deles seria tanto mais forte. Os dois bons e excelentes jovens adoeciam por virtude de uma abundância de liberdade, e os seus suspiros tinham por motivo uma falta de obstáculos. Pois a ambição deles, é preciso que se saiba, era a novela italiana, e como é do conhecimento comum as novelas intalianas contam a história de amantes que se amam tão fogosamente, tão intimamente e com tão grande paixão apenas porque não devem. Oskar e Emma, entre outras coisas, não tinham sequer pais cruéis e casmurros. faltava-lhes também o vilão que à noite espreita vilmente por detrás de um arbusto. Sim, é verdade, não tinham sequer, o inimigo do amor, sempre terrivelmente desconfiado. Mas tinham consciência de todas estas falhas e afligiam-se muito com elas. Ó triste era moderna, quadrangular e abstémia, ó indigna época das companhias aéreas e das viagens à volta do mundo, agora bem vês como às tuas mãos sofrem todos os amantes ávidos de aventuras. O amor de Oskar e Emma morria aos poucos, e porquê? exacto, por não haver perigo. Ninguém os ameaçava, ninguém lhes fazia frente, e assim começavam a adormecer no cumprimento da sua actividade. Sempre que a actividade é concedida às cegas e sem mais, depressa começa a aborrercer e a retrair os movimentos. É esta terrível anedota dos tempos em que estamos condenados a viver: tudo é permitido. Mas quando tudo é vilmente permitido, quando os amantes podem abraçar-se à vontade, sem que um deles tenha de olhar à sua volta, cheio de receio e sofrimento, para ver se algum perigo se abate sobre eles, tal implica a impossibilidade da novela italiana. Oskar e Emma queriam fazer uma novela, mas ela não singrava, começava a soçobrar. O estilo torna-se flácido. Querer criar uma novela genuína na ausência de qualquer perigo: eis um princípio pouco auspicioso. Os perigos são afinal as veias e os impedimentos são a vida de uma novela. E já não há impedimentos neste mundo sem carácter nem orgulho, incapaz mesmo de alimentar um nobre preconceito. As crianças podem vir ao mundo quando bem entenderem, antes ou depois do laço sagrado. Oskar e Emma bem o sabiam, e uma enorme angústia fincava garras nos seus jovens corações. Os pais deles eram gente sem preconceitos, oh miséria. Mas, na ausência de preconceitos, a novela é impossível. As novelas só podem singrar no terreno do selvagem e precioso dos preconceitos arreigados. Onde haja alguém que seja indiferente, e onde não haja ninguém que não seja indiferente, também não pode haver histórias de amor. Nas antigas novelas italianas, ninguém é indiferente, e é por isso, é por isso que Oskar e Emma teriam preferido morrer. Mas morrer não é assim tão fácil na ausência de um punhal que peça para ser desembainhado. Oskar e Emma quase que morrem de saudades de um punhal»
O Pedro Mexia diz que, se Freud não entendia o que queriam as mulheres, não há solução. Certamente,  o que Freud queria dizer era: as mulheres o que não querem é o Pedro Mexia. Nada menos fascinante do que um homem conscientemente feio a falar sobre desejos de mulher e a acreditar-se conscientemente interessante e feio, para as mulheres. Pior: homens como o Pedro Mexia, a falar de homens.

Cito: «Fazes-me sentir como se fosse o único heterosexual vivo» Então não se está a mesmo ver. Eu cá, não concebo sequer outro exemplar de heterosexualidade vivo. Principalmente, não visualizo nenhum outro corpo, que não o do Pedro Mexia, como exemplar do género. Aliás, torna-se excessiva a forma como Pedro Mexia exala a sua virilidade. Chega a encandear. É uma luz que cega. Graças a deus.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A sagrada família





«A veces, el amor me parece un atentado contra el edificio secular del odio; el amor socava sistemáticamente las bases de la Historia. Si la salvación no fuera una salvación del mundo, sino en el mundo, entonces su camino pasaría por el odio. El amor es por esencia pesimista. A los optimistas sólo les queda formar un círculo en torno al odio.

Se llega a un momento en la vida en que cualquier libro pesimista irrita y trastorna- hay demasiada indiscreción en ellos; desvelan muchas intimidades, no tienen demasiada consideracíon con el pudor de la vida y violan si rubor la virginidad del ser. Habría que quemar todos los libros de cabecera de la humanidad. Sólo entonces osaremos afrontar las cosas vanas y efímeras.

Pos más que se diga, los pensadores se quedan en la superficie de la vida. Como no hacen otra cosa que cribar las ilusiones de las verdades, se quedan suspendidos entre quimeras y verdades. Hay que defender César y a Napoléon ante la eternidad; tienen de su parte el testimonio de todas las ilusiones.

Miedo a que ocurra algo? Pero es que podría ocurrir algo más?»

Cioran


Será sempre um génio, este fascista.
Só através dele, a história da humanidade interessa a alguém.


Pequenas-percepções

Dos sonhos

«É que a experiência é a vida mesma da consciência, o que faz da “experiência inconsciente” uma aberração maior»

Freud

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Eu cá, não quero simbolizar juventude nenhuma


(a propósito de uma coisa)

Estamos sujeitos a muito. Quando alguém me pergunta, numa entrevista se tenho filhos, devo pensar o quê? O que pensará ela, quando me pergunta Ana, tem filhos? Tratar-me pelo nome, para introduzir esta questão, diz tudo. Ela sabe disso. Pensa: bom, agora vou fazer-te aquela pergunta, que é uma espécie de pergunta chave, chave de qualquer coisa que não sei bem o que é, mas que acaba por ser profundamente misteriosa e cria sempre, algum constrangimento. Aos que respondam, sim, tenho, por tê-los. E aos que respondam não, não tenho, por não entender para que serve a pergunta num processo de recrutamento que não seja  para uma maternidade, mas ao mesmo tempo, sentindo naquilo, um peso imenso. Como se, de repente, ter parido, pudesse afectar o cérebro ou a capacidade de movimento, de apanhar transportes públicos, de chegar a horas, de picar o ponto e, mais difícil que tudo isto, ser aceite para um estágio. Se não tem mesmo nada a ver com isto, o que é, de onde vem e para que serve?
Pior, as entrevistas, começam a fazer-me tremer, ficar vermelha. Antes, não era assim.
Mesmo quando, como hoje, pensava: calma, é só uma tipa a fazer-te perguntas parvas, perguntas que ensinam na faculdade, aos alunos de recursos humanos, como indicadores master dos processos de recrutamento, seja para um hospital, para uma mina ou para uma biblioteca. Mas ainda assim, começa a tornar-se inevitável. Incontrolavelmente, a minha cabeça começa a formatar-se para a lógica do agora estas entrevistas são diferentes das outras, porque é para ganhares mais, para assinares um papel e já tens de ter um curso para poder concorrer. Trata-se de um fenómeno estranho, porque a realidade é diferente. As perguntas são exactamente as mesmas. Para a Mango, há uns anos, em modo de fim de estrada, dizia-me ela: já agora, só por curiosidade, o que fazem os seus pais? Compreendo. Vai de encontro à de hoje, é uma espécie de variante desses indicadores infalíveis sobre a capacidade humana de criar, pensar, produzir, e no caso, arrumar roupa, qualquer coisa inventada para dar um tom de pack entrevista+psicotécnicos.
Depois, penso que ainda vou ter de passar por aquelas entrevistas de 45 minutos (criteriosamente determinados, nos avisos do Diário da República) em que, imagino, queiram saber mais coisas. Se é fértil, se tem mais de cinco nomes, com que idade foi apalpada pela primeira vez, quantas vezes pisca os olhos por dia, alguma vez chamou nomes a alguém, já foi operada às amígdalas, costuma sonhar mais com facas ou com grutas, tem provas de que o seu coração está no lado certo, imprimiu algum certificado que comprove que o seu coração bate mesmo? Se sim, agrafe ao c.v. e envie com aviso de recepção.
E a senhora, do alto da sua qualificação-eu-tenho-os-indicadores-para-te-conhecer-toda, foi fazendo bolinhas à volta das datas das minhas experiências e franzindo o nariz, ao mesmo tempo que me dizia: pois, sabe, é que já tem algumas experiências na área, não sei se estará apta para frequentar este género de estágios. E eu, prontamente lhe digo: sim, eu informei-me hoje mesmo (omitindo o facto de ter estado 3 horas na fila do centro de emprego, com 100 pessoas à minha frente apenas para poder dizer-lhe isto). A senhora continua franzindo o nariz e, pulando por cima da minha manhã de boa vontade, reforça a ideia, porque deve ter qualquer coisa a mais do que eu, no que diz respeito à compreensão gramatical das frases, e diz-me: pois, no caso, teria de falar com o centro de emprego. E ainda me diz, em tom facilitador, de quem me está a fazer um favorzinho: então, mas se Ana me diz, por exemplo, que aceita estes três meses não remunerados, eu digo why not?
Sim, why not!? A minha cura espiritual está algures entre o voluntariado e o acaso.
Não tenho mesmo nenhum sentimento adulto em relação a coisas destas. Ainda mantenho um impulso qualquer adolescente, que me faz ranger os dentes e sentir náuseas. Dizia-me, há muitos anos, um professor de matemática, sobre um caderno meu, por mim adorado, mas que era alvo de chacota pela turma, porque tinha páginas de várias cores e perfumadas: não tenhas vergonha, é muito bonito ser assim.
Já ninguém vê ninguém ser assim. Somos todos conforme aos indicadores. Mais ou menos como o processo de determinação da cor do P.H. nas aulas de físico-química (medíocre menos (-), a pior nota de sempre). Nunca me dei bem com indicadores. As cores, invariavelmente, apareciam-me sempre trocadas.
Só uma coisa: parece-me vergonhoso que existam águias de peluche de vários tamanhos a serem vendidas a 14 euros enquanto me perguntam como sou. Então, eu sou assim.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010



Vale de Lhasa

«A música triste, não me provoca tristeza. Rodeia-me da beleza da vida»
Mírenme, a la vida vuelvo ya


La la la

E pensar que ela também tinha corpo.


domingo, 3 de janeiro de 2010