quinta-feira, 29 de abril de 2010

A partir de uma coluna de jornal.

Embirro. Que toda a gente que conheço (e algumas que não conheço também) pense com alguma obsessão no poema "O amor em visita" do (não, não vou escrever HH) Herberto Helder.* É que sempre me transcendeu, esta coisa de toda a gente achar sublime o mesmo objecto poético. Quanto ao texto corridinho (clássicos e tal) e à música, sou mais tolerante. Mas aplicado à poesia, sabe-me a fantasia partilhada. A velha coisa de todos os homens sonharem em deitar-se com duas mulheres, ou das mulheres acharem que fantasiam com dois homens. É mais ou menos a isto que me sabe e me cheira essa coisa de pensar sobre o mesmo poema, a mesma coisa. Conclusão das três, com a cabeça cheia de outras coisas que não sabem a profundidade: alguns poemas deviam vir com chicote.
Houve alguém que me disse um dia, que o Helberto Helder era o mais fácil dos escritores portugueses. De forma muito justificada. Há sempre alguma verdade, nas coisas que não esquecemos.



quarta-feira, 28 de abril de 2010

domingo, 25 de abril de 2010

four simple motives (que para mim bastam)

A recordação serena, debaixo da laranjeira.
«Só as mães notam o resto de sumo de cenoura ao canto da boca»
A banheira.
A música. A música sempre. A música no final.

Faltou uma: o avião-a-mergulhar-no-seu-reflexo


terça-feira, 20 de abril de 2010

Sempre achei a Scarlett profundamente triste.
Até ao momento, acho esta música genial.



Haverá paradeiro para o nosso desejo

Dentro ou fora de um vício
Uns preferem dinheiro
Outros querem um passeio perto do precipício

Haverá paraíso
Sem perder o juízo e sem morrer
Haverá pára-raio
Para o nosso desmaio
Num momento preciso

Uns vão de pára-quedas
Outros juntam moedas antes do prejuízo
Num momento propício
Haverá paradeiro para isso?

Haverá paradeiro
Para o nosso desejo
Dentro ou fora de nós?
Haverá paraíso

(os brasileiros sabem de tudo)

Os Buracos do Espelho

Arnaldo Antunes

o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí

pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve

já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora
Recordar. Marcel Marceau. O mímico francês que me aterrorizou a infância. Anos depois, entendo porquê.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Dito e escrito de forma mais ou menos clara e sem pretensoes a fazer-se literatura russa, a cena (dando inlcusive um tom hip hop a tudo) é a seguinte:
A grande questão que se coloca (porque estou em modo de consulta de psicólogo), que eu coloco e que, possivelmente, deve ser a única a ser colocada é esta:
Quando tu passas uma vida inteira a estudar, a trabalhar, a esfolar-te e passados dez anos, não consegues emprego, ou consegues estágios simpáticos, ou nem sequer consegues estágios, concorres e ficas em penúltimo ou não ficas, é uma grande tristeza, uma grande chatice e uma grande injustiça. Nisto, concordamos todos. É claramente um obstáculo a tudo o que, eventualmente, terás projectado, precisarás, vai maçar-te um bocado, desgastar-te, podendo acontecer um dia ou talvez não.
A grande questão, a minha grande questão e a única que conheço (porque aquela descrita em cima, por defeito, acaba por ser um bocadinho ou muito, de todos nós) é que, se tu tens uma família fantástica à tua volta, ou uma família normal, ou um ambiente pleno ou, atrevo-me, um ambiente, simplesmente ambiente - no sentido de um cenário - a questao do trabalho não assume os mesmos contornos, não tem o mesmo peso porque, como nos casos de cancros terminais, nascimentos de crianças deficientes, mortes e afins desgraças, já dizem os médicos, que a família cura ou pelo menos, ajuda a aliviar a chatice.

Ora, mal comparado, que estas coisas físicas ganham sempre a qualquer outro desafio existencial (digo sempre isto mil vezes, pelo sim, pelo nao), a questão é mesmo essa. Enquanto as minhas amigas e colegas, precisam de um emprego porque sim, porque fizeram um curso, porque querem casar, procriar ou talvez não, viajar, meter-se numa casa, etc e tal, eu preciso de um emprego simplesmente para sair da minha. (perdoem-me as maes que serao sempre ilibadas de todos os crimes - que nao chegam a 9 - )

O que é revoltante, é a minha  falsa consciência de culpa, quando nasci absolvida, porque uma crianca que cresce não pode ser culpada por quem já cresceu. Porque quem fala, diz melhor do quem chora. Porque quando tu  precisas de olhar para cima, para ver alguém, não poderás ter culpa sobre nada, nem sobre as palavras que, anos mais tarde, terás de dirigir a quem falava mais, enquanto tu choravas. E como é possivel que tu estejas condenado/a a uma vida inteira de coisas por resolver, quando não pediste absolutamente nada. Quando na essência, até és uma pessoa feliz. É qualquer coisa estranha nascer-se com uma culpa sobre a qual não se tem culpa. Porque tudo o que tu dirás, crescida, em função dessa culpa, será sempre para te enterrares mais nela, nunca para te libertares. A culpa de teres deixado de dar um abraço, um beijo, de teres deixado de falar, de perguntar, de ser inacreditável que isso aconteça com alguém do teu sangue e a certeza de que isso nunca mais acontecerá, porque o tempo em que as coisas eram recuperáveis, não o foram. E sobre esse tempo, eu não sinto culpa.


Podem dizer-me, com pleno direito: se estivesses assim tão mal, já terias saido. Qualquer coisa de verdade, reside nesta ideia. Mas os casamentos não se arrastam durante anos e vidas? Não temos nós filhos de quem não amamos, ou os temos de alguém que vamos deixar de amar um dia? Não deixamos de ter filhos de quem amamos, de quem os desejamos ter? Não passamos ao lado de tudo constantemente? Não nos zangamos com a melhor amiga, por causa de nada? Não nos indignamos quando o homem do lixo nos diz bom dia e nos sentimos gloriosos quando um homem ou uma mulher deslumbrante nos fixa e arrasta o olhar uma tarde no café? Então, como é possível que não aguentemos aquilo com que nascemos, se afinal de contas, bem ou mal, estamos mais próximos disso, do que qualquer outro fenómeno injusto ou estranho que a vida nos dá? Na prática, isto significa que, tal como a Catarina terá sempre (desculpa-me) uma plataforma frágil de embarque em tudo o que meter gente pelo meio, eu sinto, a poucas casas dos 30, que terei o mesmo problema. E penso que, ainda não tinha verificado esta grande chatice porque, eventualmente, andei demasiado distraída comigo, com os meus trabalhos, com a forma que arranjei para não ter verificado esta grande chatice e porque fui oscilando sempre entre pessoas que, ora estavam demasiado distantes de mim, ora me eram iguais. Isto para dizer que descobri o problema do meio-termo.
Tenho uma frase tua na minha cabeca, que serviu para me assustar (fez-se numa espécie de monstro sobre o calendário).
Primeiro: Embalar o berço não concede crédito para a vida (alusão simpática, porque tenho vontade de pedir satisfações ao realizador do tal filme) e..
Oh Catarina, mas tu acreditas mesmo que anos de psicanálise resolvam anos de vida?

Pronto. Já disse muita coisa. Agora vou assistir a um documentário sobre HIV para me sentir melhor. Ai que bom, pelo menos não tenho sida e até está a falar o Luís Osório que, sendo copinho de leite, meteu-se num belo de um dramalhão com o pai, que o abandonou, para ter um caso com uma prostituta no estrangeiro e agora papa 30 comprimidos por dia e disserta sobre o esticão que anda a dar à vida. O melhor é mesmo estar quietinho debaixo dos lençóis a ver os filmes da RTP 2 ou as galas da TVI para conservar uma boa pele.
Depois, houve uma entrevista tramada que o pai deu ao filho, há uns anos, e que quase me convenceu sobre a rendenção do outro de sangue. Bem, mas este tem sida, abandonou-o, mas pelo menos, o tratamento psicológico que o filho terá de fazer pela vida fora, incidirá sobre a ausência de memória do pai e não sobre a desolação da ausência que é, a incorrecta presença dele.

sábado, 17 de abril de 2010

absolutamente genial.
Qualquer coisa como, o presente nao existe, serve apenas de plataforma onde vivemos o passado e o futuro. O tempo do presente como campo de batalha invisivel entre dois tempos que nao temos.

A historia na sua absoluta simplicidade e brevidade regista um fenomeno mental, algo que poderiamos chamar um acontecimento pensado. O cenario consiste num campo de batalha onde as forcas do passado e do futuro se combatem mutuamente. Entre elas encontramos o homem a quem kafka chamou "ele", alguem que, se quiser manter/se firme, tem de combater ambas as forcas. Assim, ha dois, ou mesmo tres, combates a decorrer ao mesmo tempo. a luta entre os "seus" adversarios e a luta do homem que esta no meio contra cada um deles.Contudo, a existencia de uma luta parece dever/se exclusivamente a presenca do homem, sem o qual, podemos suspeitar, as forcas do passado e as do futuro se teriam ja neutralizado ou destruido mutuamente ha longo tempo.  Observando a partir da perspectiva do homem, que vive sempre no intervalo entre passado e futuro, o tempo nao e um continuo, um fluxo de sucessao ininterrupta, esta quebrado a meio, no ponto onde "ele" se ergue e o lugar onde "ele" esta nao e o presente tal como habitualmente o entendemos, mas antes um hiato no tempo, ao qual o "seu" permanente combate, a sua oposicao ao passado e ao futuro, outorga existencia. So porque o homem esta inserido no tempo, e apenas na medida em que mantem a sua posicao, e que o fluxo do tempo indiferente se divide em passado, presente e futuro. E esta insercao, o comeco de um comeco, para dize/lo em termos agustinianos, o que fracciona o continuo do tempo em forcas que, entao, pelo facto de convergirem no corpo que lhes confere direccao, comecam a lutar umas contra as outras e a agirem sobre o homem, tal como kafka o descreve.

Hanna Arendt
Entre o Passado e o Futuro.


..absolutamente verdadeiro

O que sou eu, entao, para mim mesmo? O meu conhecimento de mim reduz-se ao que eu suponho (paranoicamente) que o outro supoe de mim - que nao conheco mas creio ser "qualquer coisa" que me e prejudicial. Que "coisas"? Nada, senao a relacao de hostilidade que nenhuma razao conhecida ou cognoscivel justifica. O espelhamento cria em mim um ecra que me impede de ver mais longe. Daqui a nossa "superficialidade" em tudo, nas percepcoes e nos afectos. Assim, o que me e dado ver de mim na relacao social com os outros resume-se a nada ou apenas a propria relacao (virtualmente) hostil que, nao deixando ver nada, apenas se mostra a si mesma. Eis a suposicao-crenca do mal dos (nos) outros. Nao gosto de mim porque ele nao gosta de mim ( e o meu saber dele, enquanto chico-esperto superior, que projecto nele e que se reprojecta em mim). Talvez derive disto o nosso gosto pela autoflagelacao.

Jose Gil com um cheirete a Sartre
Em busca da identidade. O desnorte.

e historico-romantico

Identity is fundamentally about desire and death. How you construct your identity is predicated on how you construct desire, and how conceive of death> desire for recognition< quest for visibility (...)< the sense of being acknowleged< a deep desire for association / what Edward said would call affiliation. It's the longing to belong, a deep, visceral need that most linguistically conscious animals who transact with an environment (that's us) participate in.

Cornel West
De uma forma clara, o que sinto, aproxima/se daquilo que o Nabokov disse, no prefacio de "Na outra margem da memoria". Chapadinho.
O Nabokov e tao genial, que diz a verdade, antes de comecar a mentir.

Os criticos leram a primeira versao deste livro com mais cuidado do que vao ler esta, mas so um deles se apercebeu da minha "traicoeira mordacidade" a respeito de Freud, no primeiro paragrafo da seccao 2 do Capitulo Oitavo, e nem um so houve que descobrisse o nome de um grande desenhador de historias aos quadradinhos e um tributo que lhe prestei na seccao 2 do Capitulo Decimo Primeiro. Bastante embaracoso e, para um escritor, ter ele proprio que apontar estas coisas.
E hoje, apetece/me simplesmente passar a noite inteira a  DANCAR

sem acentos, que isto anda mal

as vezes, acontece pensar que a psicologia, seria de facto uma coisa boa, e que eventualmente sortiria algum efeito na minha pessoa. E triste para mim, ponderar a possibilidade de um psicologo, andar a pensar, pensar em tentar, pensar que penso muito nisso. Porque, trazer qualquer coisa exterior ao meu universo, qualquer coisa que eu escolha, para entrar no meu universo, mas que na verdade nao seja do meu universo, nao me tenha acontecido, mas que eu force acontecer, me assusta. Isto tudo, a partir da conversa de hoje com a esteticista de ha 10 anos. Entre depilacoes, dizem/se coisas. E senti, a certo ponto, que ela estava a perceber que eu estava a tentar falar, falar a serio, contar a vida toda, o que trazia nas costas, na cabeca, aquilo de que nunca me libertaria, as minhas alegrias, esperancas e tristezas, o que digo sem querer dizer, o que digo porque sinto, aquilo de que gosto e faco por nao gostar, a culpa, as promessas, o que nao fui, o que nao fiz por um outro, onde perdi o outro e onde o achei, o que penso do mundo e como acho que sou justa e feliz, e justa e infeliz.
Coisas serias. E entao, ela diz/me que acontece muitas vezes isto, isto de falar, de querer falar, de parecer querer falar, mas diz/me, sem o dizer, sem me perguntar estas a desafiar/me a ouvir/te, queres falar/me, conta/m.  Depois ela disse/me coisas, de mim ha dez anos, a forma como eu me dava, o que mudou em mim, na meia hora em que, de mes a mes, fomos estabelecendo conversa, durante dez anos. Por momentos, passou/me pela cabeca, dar/me um pouco mais, quando ela falhou ao lado sobre uma parte da minha cabeca, da minha vida.
A Filipa, uma mulher estranha. Qualquer coisa entre o preconceito de umas maos cheias de cera, tracos femininos, de quem deixou para tras uma mulher bonita, um discurso dos sonhos que teve, da vida que parece feliz, mas que deixa escapar alguma coisa que nao foi. E nisto, hoje, por momentos, fiquei ali duas horas a conversar com uma pessoa que esta mais proxima de mim, do que eu pensei que estivesse. Tive pena de ela ter passado ao lado daquilo que eu estava a tentar dizer/lhe, porque tenho a certeza de que hoje, teria dito mais. Mais do que tudo o que consigo dizer sobre todas as coisas a todas as pessoas.
A psicologia existe, esta certa e cheira a verniz.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Porque sou eu capaz de achar a Joanna Newsom engracada,mas regresso sempre ao mesmo.




Sobre o que de mais magico acontece em mim. Sonhar, que nao deixa de ser uma forma de fazer cinema.




Das capas













que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer – vai por esse campo
de crateras extintas – vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo – deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração – ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna – o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira – não esqueças o ouro
o marfim – os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Sim, porque eu tive três anos de alemão.

als das kind kind war,

war es die zeit der folgenden fragen:
warum bin ich ich und warum nicht du?
warum bin ich hier und warum nicht dort?
wann begann die zeit und wo endet der raum?
ist das leben unter der sonne nicht bloß ein traum?
ist was ich sehe und höre und rieche
nicht bloß der schein einer welt vor der welt?
gibt es tatsächlich das böse und leute,
die wirklich die bösen sind?
wie kann es sein, daß ich, der ich bin,
bevor ich wurde, nicht war,
und daß einmal ich, der ich bin,
nicht mehr der ich bin, sein werde?




when the child was a child,
it was the time for these questions:
why am i me, and why not you?
why am i here, and why not there?
when did time begin, and where does space end?
is life under the sun not just a dream?
is what i see and hear and smell
not just an illusion of a world before the world?
given the facts of evil and people.
does evil really exist?
how can it be that i, who i am,
didn’t exist before i came to be,
and that, someday, i, who i am,
will no longer be who i am?


peter handke

domingo, 4 de abril de 2010

está bem. não penses nisso. Haverá sempre um campo de flores na Primavera - resposta da minha cabeça à sugestão da minha cabeça, há dois minutos atrás.
«All sorrows can be borne if you put them into a story about it»

As coisas não são como são. Lia ontem, para contrariar. Os dias feriados, os Natais (que insisto, sem saber porquê) em escrever com letra maiúscula, as festas, as coisas que se publicitam alegremente na tv serem de/em «família», são aos meus olhos, dias terrivelmente normais. Sem o ser lamexas português que encontro em mim, cada vez que me mói a cabeça ver alguém a vender canetas do pato donald e dar-me um cumprimento profundo, apertando-me a mão, quando lhe dou uma moeda, a verdade é que nasci talhada para um contexto que não tenho. E só agora, começo a perceber que me faz falta, que grande margem do que sou agora, de mau, de escuro, de instável, de incerto, de cinzento, se deve a isso. Psicanálise sem divã, sem orçamento e sem consulta. Isto para dizer que, à parte de poder ter sido tudo pior, eu teria sido uma pessoa de mesa cheia, de muita gente, de família grande, de filhos e netos, de primos e tios, de telefonemas, de postais, de abraços, de mãos no ombro, de desabafos, de confissões, de risos, de conversas, de decisões, de opiniões, de partilhas, de reconhecimentos. Mas não fui. E nisto, sou capaz de culpar a caixa onde me fizeram nascer. Qualquer coisa que, sem grandes objectivos ou missões para o meu lado, simplesmente, me foi atribuído. Quase como as bolas que saiem com brindes de dentro das máquinas. Nós olhamos, olhamos e há sempre uma bola com uma coisa mais ao nosso jeito. Têm todas algo dentro, é certo, mas nem todas são aquelas que nos fariam felizes, nem todas trazem dentro, aquilo que tinha, aos nossos olhos, de ser nosso. «Mas que sabes tu de casamentos? Queira deus..». Pois é, que sei eu de casamentos? Mas não deve ser preciso saber muito de casamentos, para saber muito de pessoas. E não deve ser preciso saber muito de pessoas, por viver muitos anos com elas à volta, ou por falar muito com elas, ou por vê-las muito a definhar, a morrer ou a parir, para as conhecer de forma universal e transparente. Isto para dizer uma coisa que já fui dizendo a uma ou duas pessoas, e que já conclui em mim, que acontece agora, de forma forte, como nunca aconteceu antes, ou como eu nunca admiti, ou como eu nunca tive tempo para pensar. Sinto falta de laços de sangue  e das coisas que os laços de sangue trazem. Visitas e coisas marcadas, perguntas e respostas, nascimentos e mortes, jantares e almoços. E isto salta por cima de progenitores, um por razões óbvias para mim, e outro porque simplesmente não consegue apagar da história, a vergonha e o hábito. E isto, analisando-me ao divã, mas na cadeira, é causa nacional (no que ao meu território diz respeito), para repudiar, afastar, neutralizar, enfraquecer, qualquer forma de vida que, aproximando-se de mim, tenha agora ou tenha tido antes, um terreno para se movimentar que, aos meus olhos, foi mais saudável, normal, certo. Os traumas, o desconforto, começa agora. Sem lamentos, que a coisa podia ter sido pior (melhor pensamento para ter nestas circunstâncias), por esta altura, começam a pesar algumas coisas que não pesavam, começo a dizer algumas coisas que não disse, começo a realizar que as coisas que fui ouvindo, que fui vendo, que fui deixando de fazer, terão tido um peso tremendo na forma como olho as coisas agora e como as culpo. E noto isso, quando não comento algumas conversas dos outros, porque não tenho ponto de comparação, ou quando me sinto melhor, mais apaziguada, quando comento as conversas de outros outros, quando lhes reconheço algum traço em que, de alguma forma, me sinto mais confortável, porque sinto mais próxima. E nisto, a minha consciência de que ninguém tem culpa de ter tido uma vida feliz, com mais ou menos problemas, mas com uma integridade familiar diria, comum, é feroz. Porque eu percebo que uma pessoa não entenda todas as outras e não tenha mesmo que entender, que não seja mesmo esse o objectivo social da humanidade: sermos todos deuses em forma de compreensão. Mas há coisas que simplesmente não há modo de contar. De alguma forma, não existem. Encontram-se entre o limbo do grave e o do «não te queixes, há pior». E neste raciocínio de comparações por graus, a ideia é que eu consiga perdoar, por não me encontrar no patamar mais alto. Há coisas que vão escapando de uma ou de outra forma. Ontem, dizia uma sra numa novela, para o seu ex-marido: «Carlos, você deixa escapar a felicidade. Eu não sei o que acontece. Comigo, foi assim, nós éramos felizes, Carlos e você, vivia sempre zangado, angustiado, revoltado. E agora, está acontecendo de novo. Você vai deixar escapar». Fiquei em suspense, na esperança que uma novela brasileira me respondesse a qualquer coisa que entendo, mas para a qual não tenho resposta. Mas o Carlos não respondeu. A questão é que, para se ser feliz, não se basta estar feliz com o outro. Tem de existir uma cumplicidade connosco, uma felicidade visceral com aquilo que és, que tiveste, que tens, que te deram, com a saúde da tua vida. E isto não passa por eventualmente teres nascido mais ou menos bonita do que nasceste, mais ou menos dedicada às coisas, com mais ou menos dinheiro. É qualquer coisas tão simples, que se reduz a um traço de humanidade que salva sempre, mesmo quando tudo o resto se desmorona. Que é conseguires voltar a casa com o sentimento de casa.

sábado, 3 de abril de 2010


«É preciso esconder a profundida», escreveu Hofmannsthal. «Onde? À superfície.»

às vezes, acontece-me, pedir um tecido universal para cobrir o corpo dos pés à cabeça.
quando as vejo, aquelas que só existem com os olhos, que só dão os olhos, penso que pacífico é, andar coberta, dos pés à cabeça, com um manto negro. Sobra-te a ligação essencial às coisas, que são os olhos, o teu coração continua a bater, portanto sentes, os pés firmam o chão, porque a pele está lá e tu, toda coberta, só tens de olhar. A responsabilidade de uma vida inteira é simplesmente, olhar. Se pudesse escolher uma forma de existência, seria essa. Coberta a ver.
Give me a proof of God
I can only give you an indication of my own hope. It’s knowing that love exists for real in the human world. . . . The highest and lowest, the most ridiculous and the most sublime. All kinds. . . . I don’t know whether love is proof of God’s existence, or if love is God. . . . Suddenly the emptiness turns into abundance, and hopelessness into life. It’s like a reprieve, Minus, from a sentence of death.