segunda-feira, 19 de abril de 2010

Dito e escrito de forma mais ou menos clara e sem pretensoes a fazer-se literatura russa, a cena (dando inlcusive um tom hip hop a tudo) é a seguinte:
A grande questão que se coloca (porque estou em modo de consulta de psicólogo), que eu coloco e que, possivelmente, deve ser a única a ser colocada é esta:
Quando tu passas uma vida inteira a estudar, a trabalhar, a esfolar-te e passados dez anos, não consegues emprego, ou consegues estágios simpáticos, ou nem sequer consegues estágios, concorres e ficas em penúltimo ou não ficas, é uma grande tristeza, uma grande chatice e uma grande injustiça. Nisto, concordamos todos. É claramente um obstáculo a tudo o que, eventualmente, terás projectado, precisarás, vai maçar-te um bocado, desgastar-te, podendo acontecer um dia ou talvez não.
A grande questão, a minha grande questão e a única que conheço (porque aquela descrita em cima, por defeito, acaba por ser um bocadinho ou muito, de todos nós) é que, se tu tens uma família fantástica à tua volta, ou uma família normal, ou um ambiente pleno ou, atrevo-me, um ambiente, simplesmente ambiente - no sentido de um cenário - a questao do trabalho não assume os mesmos contornos, não tem o mesmo peso porque, como nos casos de cancros terminais, nascimentos de crianças deficientes, mortes e afins desgraças, já dizem os médicos, que a família cura ou pelo menos, ajuda a aliviar a chatice.

Ora, mal comparado, que estas coisas físicas ganham sempre a qualquer outro desafio existencial (digo sempre isto mil vezes, pelo sim, pelo nao), a questão é mesmo essa. Enquanto as minhas amigas e colegas, precisam de um emprego porque sim, porque fizeram um curso, porque querem casar, procriar ou talvez não, viajar, meter-se numa casa, etc e tal, eu preciso de um emprego simplesmente para sair da minha. (perdoem-me as maes que serao sempre ilibadas de todos os crimes - que nao chegam a 9 - )

O que é revoltante, é a minha  falsa consciência de culpa, quando nasci absolvida, porque uma crianca que cresce não pode ser culpada por quem já cresceu. Porque quem fala, diz melhor do quem chora. Porque quando tu  precisas de olhar para cima, para ver alguém, não poderás ter culpa sobre nada, nem sobre as palavras que, anos mais tarde, terás de dirigir a quem falava mais, enquanto tu choravas. E como é possivel que tu estejas condenado/a a uma vida inteira de coisas por resolver, quando não pediste absolutamente nada. Quando na essência, até és uma pessoa feliz. É qualquer coisa estranha nascer-se com uma culpa sobre a qual não se tem culpa. Porque tudo o que tu dirás, crescida, em função dessa culpa, será sempre para te enterrares mais nela, nunca para te libertares. A culpa de teres deixado de dar um abraço, um beijo, de teres deixado de falar, de perguntar, de ser inacreditável que isso aconteça com alguém do teu sangue e a certeza de que isso nunca mais acontecerá, porque o tempo em que as coisas eram recuperáveis, não o foram. E sobre esse tempo, eu não sinto culpa.


Podem dizer-me, com pleno direito: se estivesses assim tão mal, já terias saido. Qualquer coisa de verdade, reside nesta ideia. Mas os casamentos não se arrastam durante anos e vidas? Não temos nós filhos de quem não amamos, ou os temos de alguém que vamos deixar de amar um dia? Não deixamos de ter filhos de quem amamos, de quem os desejamos ter? Não passamos ao lado de tudo constantemente? Não nos zangamos com a melhor amiga, por causa de nada? Não nos indignamos quando o homem do lixo nos diz bom dia e nos sentimos gloriosos quando um homem ou uma mulher deslumbrante nos fixa e arrasta o olhar uma tarde no café? Então, como é possível que não aguentemos aquilo com que nascemos, se afinal de contas, bem ou mal, estamos mais próximos disso, do que qualquer outro fenómeno injusto ou estranho que a vida nos dá? Na prática, isto significa que, tal como a Catarina terá sempre (desculpa-me) uma plataforma frágil de embarque em tudo o que meter gente pelo meio, eu sinto, a poucas casas dos 30, que terei o mesmo problema. E penso que, ainda não tinha verificado esta grande chatice porque, eventualmente, andei demasiado distraída comigo, com os meus trabalhos, com a forma que arranjei para não ter verificado esta grande chatice e porque fui oscilando sempre entre pessoas que, ora estavam demasiado distantes de mim, ora me eram iguais. Isto para dizer que descobri o problema do meio-termo.
Tenho uma frase tua na minha cabeca, que serviu para me assustar (fez-se numa espécie de monstro sobre o calendário).
Primeiro: Embalar o berço não concede crédito para a vida (alusão simpática, porque tenho vontade de pedir satisfações ao realizador do tal filme) e..
Oh Catarina, mas tu acreditas mesmo que anos de psicanálise resolvam anos de vida?

Pronto. Já disse muita coisa. Agora vou assistir a um documentário sobre HIV para me sentir melhor. Ai que bom, pelo menos não tenho sida e até está a falar o Luís Osório que, sendo copinho de leite, meteu-se num belo de um dramalhão com o pai, que o abandonou, para ter um caso com uma prostituta no estrangeiro e agora papa 30 comprimidos por dia e disserta sobre o esticão que anda a dar à vida. O melhor é mesmo estar quietinho debaixo dos lençóis a ver os filmes da RTP 2 ou as galas da TVI para conservar uma boa pele.
Depois, houve uma entrevista tramada que o pai deu ao filho, há uns anos, e que quase me convenceu sobre a rendenção do outro de sangue. Bem, mas este tem sida, abandonou-o, mas pelo menos, o tratamento psicológico que o filho terá de fazer pela vida fora, incidirá sobre a ausência de memória do pai e não sobre a desolação da ausência que é, a incorrecta presença dele.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Verdades