Alice: «Quer dizer», acrescentou, «uma pessoa não pode deixar de crescer»
Hoje lembrei-me de uma coisa séria. Do caminho para a mina lá do Alentejo. Anda esta imagem a pavonear-se há anos, quando sei, com certeza de gente que põe, todos os dias, os pés no chão, que certamente não voltarei nem a pisar o caminho, nem miseravelmente a olhar para ele. E nem é por ser o caminho, num outro continente, num outro país. Há coisas que, inexplicavelmente, não precisam estar muito longe de nós, para sabermos que não vão voltar a entrar na nossa vida. Refiro-me a espaços, não a pessoas. As pessoas sempre falam, vão balbuciando coisas, trocando uns encontros fortuitos ou nem por isso, já os espaços, não dão ares de si, são tímidos e sucumbem facilmente à nossa passagem. Não se queixam da falta dos nossos passos, não choram por nenhuma imagem nossa, são bastante mais áridos no que diz respeito a esta coisa das ligações. Mas há espaços mais perversos do que outros, aqueles que não nos deixam esquecer, que insistem em fazer-nos cheirar, que puxam por nós pela corda tramada da memória.
Não tenho especial recordação de grandes brincadeiras por aqueles caminhos, mas de alguma forma, a rotina de por eles passar, andando, sozinha, sem perigos, até à mina, fazia-me olhar para tudo em volta e, sem grandes reflexões, conseguia pensar sem saber bem no quê, sobre tudo. (confusa, esta última parte).
É mais assim: se a terra era vermelha, se eu avistava a casinha branca lá em baixo, as fitas a balançar na porta, se movia os meus passos vagarosamente sob o calor e se corria um bocadinho na única altura em que tinha medo (à curva), é porque aquele espaço me tinha escolhido para pensar para sempre sobre ele. Uma espécie de feitiço do caminho da mina (edições de bolso).
Depois, havia a represa. Um lago que achava diabólico, derivado aos inúmeros avisos que me eram feitos, num medo improvável de que eu conseguisse saltar, num salto impossível (aquilo ainda era longe), até lá. A partir dalí, olhava sempre de esguelha para aquela água que inicialmente me parecia normal, pacifica, mas que, com o repetir da caminhada e o repetir dos avisos começou a surgir, aos meus olhos, com uma cor metalizada, misteriosa, até que comecei a evitar até, olhar para lá, não fosse o diabo tecê-las.
Isto tudo, a propósito de umas coisas que estava a ler agora sobre a "aura". Confesso, que quando comecei a ler, há uns anos, coisas sobre o tema, achei alguma graça. Passado este tempo todo, acho que mais facilmente dava de beber de café à minha aura do que me dava ao trabalho de assistir a aulas sobre a "aura" do Benjamin que se devia ter entretido mais a apalpar do que a estudar coisas destas. As miudas não se empolgam com análises às auras, não percebo bem onde ele queria chegar com tanta contenção. Bem, não interessa. Dizia ele: «A aura é a unica aparição de um longínquo por mais próximo que esteja aquele que o evocou». E pronto, veio daqui e desenvolveu-se ao longo do dia.
Tenho de aprender a justificar as coisas (duplo sentido para mim).