terça-feira, 11 de agosto de 2009

Obra aberta


«Pensa um minuto e depois adivinha», disse a Rainha Preta.
Leão para Alice: «Havia tanto pó que não se via nada. Tanto tempo que o Monstro leva a cortar o bolo!".

A esperança era que o colo de uma mãe, não deixasse de falar, de responder a todas as perguntas, principalmente às que já têm resposta, às que já nem perguntamos, às que já não conseguimos pensar como interrogações, para as quais já não há tom, porque para as outras, ainda temos tempo de inventar qualquer coisa. Que se antecipasse a tudo, chegasse antes do tempo, derrubasse as portas que fechamos e rompesse com os discursos sobre a vida, sem grandes palavras, apenas alinhando o alfabeto numa folha de papel. Que fosse as letras de todas as músicas, que fugisse connosco, sem perguntar porquê. Que não tivesse literatura nenhuma e fosse só uma frase feita, pronta para ser citada sobre qualquer coisa, em qualquer lugar, sobre qualquer pessoa. Fosse um coração apressado e batesse sempre num compasso de paz. Mordesse como um cão e lambesse o nosso corpo todo, quando piscássemos os olhos daquela maneira universal como todos piscamos os olhos quando sentimos as coisas e nos recebesse à porta, todos os dias, como da primeira vez. Que repetisse vezes sem conta que era colo, que é peito, que se fizesse mais esperto que nós e chegasse antes de tudo. Que nos tocasse, antes de qualquer vida se aproximar.
Que se achasse no direito de nos prender o tempo inteiro, sem permissão, e não nos fizesse abdicar nunca de achar que ele é um pequeno deus e nos obrigasse a rezar, de joelhos com a cabeça encostada. Que colhesse todos os frutos e estendesse a mão até ao centro da mesa, para os depositar, limpos e doces. Que sacrificasse outros colos de outras mães, como um assassino perfeito, para ser nesse dia, o único colo, a cores ou a preto e branco como se não fosse possível, nunca, deixar de existir.
«Já o calor e o aconchego da cama me envolviam há um pedaço quando o meu coração de novo errou por regiões de medo, adejando, assustado, pelo passado. A minha mãe viera, como de costume, dar-me as boas noites; os seus passos ecoavam ainda no quarto e o clarão da vela brilhava na frincha da porta. Eu pensei: «Agora!» Agora ela volta para trás! Pressentiu a minha perturbação, dá-me um beijo e interroga-me. Far-me-á perguntas, cheia de bondade, inspirando-me confiança, e serei capaz de chorar. O nó que tenho na garganta desfar-se-á, abraçá-la-ei e tudo ficará solucionado. Será a libertação!» E após a luz na frincha da porta ter desaparecido completamente, eu continuei à escuta, durante algum tempo, pensando que aquilo teria necessariamente de acontecer. »
Até que percebi nitidamente, o que poderá ser, um dia, sentir saudades de uma mãe.
«E dizes-me: quando era criança morria muito».

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