"(...) Como te explicar: eis que de repente aquele mundo inteiro que eu era crispava-se de cansaço, eu não suportava mais carregar nos ombros – o quê? - e sucumbia a uma tensão que eu não sabia que sempre fora minha. O que me acontecia? Nunca saberei entender mas há-de haver quem entenda. E é em mim que tenho de criar esse alguém que entenderá.
E que apesar de já ter entrado no quarto, eu parecia ter entrado em nada. Mesmo dentro dele, eu continuava de algum modo do lado de fora. Como se ele não tivesse bastante profundidade para me caber e deixasse pedaços meus no corredor, na maior repulsão de que eu já fora vítima: eu não cabia.
Ao mesmo tempo, olhando o baixo céu do tecto caiado, eu me sentia sufocada de confinamento e restrição. E já senti falta de minha casa. Forcei-me a me lembrar que também aquele quarto era posse minha, e dentro de minha casa: pois, sem sair desta, sem descer nem subir, eu havia caminhado para o quarto. A menos que tivesse havido um modo de cair num poço mesmo em sentido horizontal, como se houvessem entortado ligeiramente o edifício e eu, deslizando, tivesse sido despejada de portas a portas para aquela mais alta.
Embaraçada ali dentro por uma teia de vazios, eu esquecia de novo o roteiro de arrumação que traçara, e não sabia ao certo por onde começar a arrumar. O quarto não tinha um ponto que se pudesse chamar de seu começo, nem um ponto que pudesse ser considerado o fim. Era de um igual que o tornava indelimitado(...)"
A paixao segundo G.H.
Clarice L.
Suponho que quem tenha um filho para cuidar, uma casa para pagar, detergente para comprar, uma viagem para fazer, uma hora para chegar a qualquer sitio, louça para lavar, um irmão doente, uma mãe ao telefone, uma aula de yoga para ir, relatórios para analisar, férias para marcar, tapetes da sala para trocar, contas do mês para acertar, a família para visitar ou a novela para ver (a propósito, agora deram os dois uma valente beijoca), não tenha tempo nem paciência para pensamentos do género.
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Verdades