As coisas estranhas, nascem todas da cabeça e acontecem todas aqui.
A Margarida entrou na minha vida, quando eu estava a começar a ver as pessoas de forma diferente, a achar-lhes graça, a achar que eventualmente, podia acontecer, gostar das pessoas mais do que eu esperava gostar das coisas, de forma geral. Dela, gostei logo. Estava a entrar e ela sorriu para mim, com a falha naquele dente, abriu os olhos castanhos e reconheci-lhe qualquer coisa. Eu estava ali, naquela miúda que ainda não tinha ouvido sequer falar. Estava ali em forma de ligação, de afecto, de sangue. Algures, estava eu. Já gostava dela, ainda estava detrás do vidro da porta e já sabia, com toda a certeza, que ela iria também gostar de mim. E esta «história» seria muito mais quente, se em vez de uma menina, fosse um menino. Mas o facto, é que a Margarida me deixou, enquanto mulher, enquanto espaço feminino, algumas marcas. Ela era, indiscutivelmente, a rapariga mais bela, mais bonita, mais apetecível, mais sedutora, mais interessante, com quem eu já me tinha cruzado. E isto, sem fazer, absolutamente nada. Só, sendo ela. Nunca voltei a encontrar (desculpem-me as fêmeas que vão cruzando a minha vida), uma rapariga que conseguisse ser, sem suportes cerebrais decalcados das fontes culturais instituidas, sem aspirações a ser nada, sem projectos de vida, sem opinião sobre as tragédias humanas, tão arrasadoramente cativante. Em duas horas, conheci-a. O que ela me começou a contar, seduzia-me, ao mesmo tempo que me alarmava, me afligia, me assustava. Em tudo, havia tragédia e coragem. Um dia combinámos coisas que nunca fizémos. Vens dormir a minha casa - dizia-me - e no meio da noite, saímos e vamos correr para o bosque que fica ali perto. Lembro-me muitas vezes dela. Ficamos anos sem nos ver, encontramo-nos por acaso, anos depois, numa rua, numa curva. Há uns dias, lembrei-me. Numa destas tardes, decidi fazer tempo num determinado sitio. Eu descia as escadas rolantes, ela estava em baixo, levantou a cabeça e eu levantei os braços a pedir uma pausa no tempo. Falámos. Igual. Continua com qualquer coisa de mágico nas formas que tem, na vida que traz. Qualquer coisa nela me emocionou sempre profundamente. É mais um mistério que acredito, não se esgote na vida.
Citar é pincelar as frases dos livros com purpurina (segredo)

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Verdades