quinta-feira, 28 de abril de 2011

Tu estás aqui, mas este lugar é tão vasto que estar um junto do outro significa já estar tão longe que não chegamos nem a ver-nos nem a ouvir-nos


Sim. Fotografaria aquilo que Tchékhov escreveu. Isto quer dizer qualquer coisa como, tudo é humilhante na realidade, mas eu apenas consigo sentir isso e não manipulá-la. E talvez seja importante saber manipular o que se sente sobre a realidade. A função do cinema deveria ser essa. Ajudar-nos a ler da forma certa, da perspectiva universal, através dos olhos de deus. Todos os dias. Talvez seja importante conseguir fazê-lo por ti e pelo o outro. Para ti e para o outro. Nos dias bons, não digo a verdade. Acho que não digo a verdade, que não a sou. Pensava isto no metro, enquanto o sujeito gordo à minha beira, excêntrico e deformado, cantava “ai sorte, ai sorte, ai sorte, sorte, sorte, sorte” seguindo-se  a isto, uma solene gargalhada final. Percebi bem o que ele queria dizer com aquilo e porque se sentou justamente, ao pé de mim. Para acrescentar absolutamente nada à minha cabeça.
Na verdade, o meu alter ego, passará por uma das personagens com quem me cruzo no metro. Sou principalmente, o cego que segue a própria música, atirando blasfémias ao mundo, só porque sim. Porque se nos dias bons, eu não sei ver, o que farei com a certeza dos maus dias? Lá está, nesses dias, ele saberá  claramente o que fazer com o que sente. Cantar.

Trouble with dreams is they don't come true
And when they do they can't catch up to you

Trouble with dreams is you never know
When to hold on and when to let go

Trouble with dreams is you can't pretend
Something with no beginning has an end











Fin

As coisas bem resolvidas são, geralmente, simples.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Música

Ai, Margarida,
Ai, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,

Que farias tu com ela?
— Tirava os brincos do prego,
Casava c'um homem cego
E ia morar para a Estrela.

Mas, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que diria tua mãe?
— (Ela conhece-me a fundo.)
Que há muito parvo no mundo,
E que eras parvo também.


E, Margarida,
Se eu te desse a minha vida
No sentido de morrer?
— Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.


Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fosse senão poesia?
— Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem efeito.
Nesta casa não se fia.

Álvaro de Campos

Ondine

misery's easy, it's happiness you have to work at.


segunda-feira, 11 de abril de 2011

e às vezes tenho árvores escondidas na gaveta, e nem sei que dizer

Este foi, sem dúvida alguma, o mais estranho sonho de sempre.

domingo, 10 de abril de 2011


 Com o ouvido atrás da porta: «Olha, o que era bom era que a gente fosse mocinhas outra vez»

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A falha na parede que aparece na fotografia que vi, lembra-me uma marca no rosto, já esquecida, com que nasci.

terça-feira, 5 de abril de 2011


Naturalmente é de noite. O meu caminho tem um som estranho. Pó aqui, pó daquele lado. Mas prossigo. E depois o Inverno. A chuva conduzindo todas as ruas. A lugar algum. Jovem como eu, velha como eu. O amanhã, o homem cego. A vida entre as janelas enterradas. A parede. O silêncio. O que eu quis fazer. Caminhar, cantando.

( A itálico, a paciência. A vermelho, a verdade)


Ar

Naturalmente é de noite.

Sob o alaúde virado com a sua
Única corda eu sigo o meu caminho
O qual tem um som estranho.
Pó aqui, pó daquele lado.
Escuto os dois lados
Mas prossigo.
Lembro-me das folhas
Paradas nas suas deliberações
E depois o inverno.

Lembro-me da chuva com o seu feixe de estradas.
A chuva conduzindo todas as suas ruas.
A lugar algum.
Jovem como eu, velha como eu.

Esqueço o amanhã, o homem cego.
Esqueço a vida entre janelas enterradas.
O olhar das cortinas.
A parede
Crescendo entre as perpétuas.
Esqueço o silêncio
O autor do sorriso.

Isto deve ser o que eu quis fazer.
Caminhar de noite entre os dois desertos,
Cantando.

W. S. Merwin

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Morte Súbita

não quero morrer às vezes.

quero morrer em bloco
mas também
não quero que seja entre

o espaço e o tempo
porque entre o espaço
e o tempo
não há um para sempre,

nem nunca houve.


S.B.
Anna Swir


O mesmo interior


A caminho de tua casa para um festim de amor
vi na esquina de uma rua
uma velha pedinte.


Peguei na sua mão,
beijei a sua face delicada,
conversámos, ela tinha
o mesmo interior que eu,
do mesmo género,
senti-o instantaneamente
como um cão conhece pelo cheiro
outro cão.


Dei-lhe dinheiro,
não conseguia separar-me dela.
Afinal, todos precisamos
dos que nos são próximos.



E depois eu já não sabia
porque caminhava para tua casa.
Acordei com um sabor cítrico.