quinta-feira, 8 de julho de 2010


Hoje acordei com uma vontade imensa de ir viver para Sesimbra. Na viagem de combóio até ao "trabalho", fui olhando para o mar e a brisa fresca que se sentia no Sodré, lembrou-me as manhãs de Sesimbra. Às vezes tenho pena de não viajar, de não ter viajado e de provavelmente, não ir viajar muito mais. Mas hoje, estava a pensar no que sentia em relação a Sesimbra e nesse momento, pensei que os lugares que até agora conheço, me bastam.
      Sesimbra é uma conchinha mágica. Ninguém entende bem como um lugarzinho tão minguado, com tão pouca areia, consegue ser uma ilha enorme aos olhos de alguns. Eu nunca passei férias no chique algarve, conheço muito mal. E também só fui uma vez  a milfontes, esses sitios onde, habitualmente, as pessoas gostam ou passam férias. Na verdade, eu fui sempre, religiosamente, durante 16 anos, para Sesimbra. E aprendi a achá-la enorme. Curiosamente, a maioria das pessoas que conheço que já viajou muito, só sabe dissertar turisticamente sobre os sitios. Nunca ouvi de ninguém uma coisa passional, apaixonada, pessoal, íntima, sobre nenhum local que tenha visitado. Se vão a Paris, falam do Sena, dos museus, do banho de cultura. Se vão ao Algarve, do sol, do sol, do sol e do sol. Se vão a Espanha, das noites, mas parece-me muito pouco sobre um espaço, seja ele um pedacinho de terra como Sesimbra ou um terreno baldio e desolador, como Paris (provocação indecente a todos que a amam).
   Então, era impossível eu passar pelo Sodré e sentir o ar de Paris ou de Espanha ou de Cuba ou das Bahamas ou das Ilhas Gregas ou de Tenerife. Porque na verdade, só é permitido levar e lembrar brisas de locais que não são universalmente escolhidos pela massa de gente que insiste sempre em passar férias e viajar para os mesmos lados que toda a outra metade de gente.
   E lembro-me de coisas que amo em Sesimbra, como o meu carrocel, ao pé do enorme cinema na avenida principal. O carrocel que, para a minha pequena altura, era enorme, era uma feira popular inteira no regresso do jantar. E andei na chávena (chávena+vómito), no cavalinho azul, no helicóptero (que me provocava, confesso, muito medo), na charrete. O algodão doce que era igualmente grande, as bolinhas com surpresas dentro. E à entrada da avenida, ainda lá muito no início, eu já antecipava, pelas luzes a piscar e pela música que se ouvia ainda muito levemente, o meu final de noite ideal. Aquilo era o máximo que a vida me podia dar. Existe mais alguma coisa? Não precisava de mais nada. Só do meu carrocel. Às vezes o carrocel fechava e a coisa escurecia um bocado. Fui crescendo e regressando lá, mais sozinha, mais acompanhada e o carrocel lá continuava. Enorme, para outros, já muito pequeno para mim. Um dia, desapareceu. E aquele espaço, tão comodamente determinado para o meu carrocel, estava desoladamente sem nada. Era uma espécie de campa sem flores. A terra tinha ainda marcadas, as formas do carrocel, o espaço ocupado pelo equipamento do algodão doce e pela máquina das bolinhas.
    Havia o jardim, que ainda existe, um jardim central, de tardes frescas, onde "passeava" o meu cão de plástico. Já gostava muito de cães, na altura. Aquele era uma raça-salsicha que eu insistia em fazer rodopiar mil vezes, à volta do jardim, até à exaustão. Lembro-me que andava com uns óculos de sol na cara, que me escorregavam, mas sempre gostei muito de óculos de sol e fazia questão de passear o meu cão de plástico com os meus óculos de sol à sombra do meu jardim, na avenida do meu carrocel.
    À noite, o jantar era no Golfinho, restaurante que ainda existe ou no Ítalo (nome do dono). O Golfinho teve uma mais-valia, a partir dos 13 anos. O filho do patrão, o luís, era mais velho que eu e eu cresci. Além de que, tirava as caricas do meu trinaranjus com alguma graça e uma piscadela de olho. Houve uma altura em O Ítalo tinha televisão para ver as novelas e os jogos sem fronteiras e tinha um pastor alemão fantástico que morreu de saudades dos donos, um ano, era eu já maiorzinha. Não recordo bem como ficou a decisão final, fiquei sempre muito dividida entre as novelas e as caricas..
    No lado de lá da fortaleza, havia e penso que ainda há o café dos antipáticos que vendia umas tranças de mel inéditas, que eu devorava sofregamente como se não houvesse amanhã, até atingir o enjoo absoluto sobre a humanidade e ressacar mel durante as semanas seguintes. Desse mesmo lado, numa das paredes de um prédio, existia também uma pintura enorme de uma tartaruga que me intrigava bastante por ser tão desproporcional em relação à realidade do corpo das tartarugas (sempre tive um entusiasmo muito grande pelo real..)
    E a praia..a armação dos toldos, as sestas à sombra, dentro das chamadas "barracas", a ouvir o mar mansinho e as outras crianças a brincar e no final da tarde, o arrasto. Isso sim, verdadeiramente inesquecível. Lembro-me bem de ser uma criança que corria para água sem medos. Na verdade, ao contrário de agora, era uma criança calada, quieta e moderadamente destemida. Lembro-me de não ter medo do mar e de não chorar com o frio da água na pele. Nessas tardes em que os pescadores recolhiam a rede, eu ia esperá-los à beira-mar. Sabia que era naquele dia que eles puxavam a rede. Juntava-se sempre muita gente à volta, era uma tradição engraçada, a arte xávega, que infelizmente se foi perdendo. Eles lançavam-na uns dias antes e iam recolhê-la, puxando-a com os braços (antes era com bois, parece), para terra. Lembro-me do meu espanto, aí sim, misturado com algum medo, ao ver os inúmeros bichos presos à rede, em agonia. Aconteceu uma vez, ter ficado com uma perna cheia de tinta preta, que o malandro de um polvo me lançou e me terem dito: vez, o polvo gostou de ti.

As coisas não deviam desaparecer nunca do sítio onde as sentimos pela primeira vez.
Devia ser possível regressar ao sítio de todos os começos sem perturbar o presente.

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