quinta-feira, 8 de julho de 2010


No impreciso, incompleto

Sentado à mesa
parto o pão com as mãos

e a toalha
enche-se de migalhas,
como se algo nesse gesto escapasse ao próprio gesto.

Há sempre perda:
até mesmo agora
uma parte de mim não me pertence.
Lá fora também se esfarela o dia:
cada floco de neve é uma trégua.

Josep M. Rodríguez


Estou apaixonada por uma sopa de cenoura. Sinto-me capaz de me enrolar na sopa de cenoura de hoje, e me rebolar por cima dela, beijando-a com muita força. Foi sem dúvida, a melhor sopa de cenoura que já comi. Decidi-me por almoçar sozinha, ir ao centro histórico e sossegadamente, sem conversas, gente e afins manifestações humanas, sentar-me em silêncio no fresco de um lindo café. Nunca gostei de sopa de cenoura, ou fica demasiado grossa ou sabe a cenouras de plástico, daquelas de brincar. Quando perguntei se havia sopa e ouvi um sim do outro lado do balcão, não pensei mesmo que me fosse calhar a sopa que menos gosto. Quando a taça de vidro nas mãos da rapariga deixou adivinhar o purgatório que ali vinha, entristeci. Mas, logo na primeira colherada, percebi que não era uma sopa de cenoura qualquer. Era A sopa de cenoura. E eu adoro sopa, como tal, sinto-me no direito de fazer aquilo que os apreciadores de vinho fazem às amostras que metem no copo e que me miram como se de um corpo de mulher se tratasse. Ora o que eu fiz à sopa da cenoura foi mirá-la. Mirá-la bem, aproveitar-me dela, da sua macieza, da sua textura e comê-la. Aquele sítio, que já tinha avistado de longe mas que ainda não tinha arriscado, tornou-se a partir de hoje e graças às maravilhas da sopa de cenoura, o sítio onde almoçarei até Fevereiro de 2011. Olha para espaços destes e penso que falhei muito ao lado, na minha ambição. O que eu gosto de potes de vidro, de boiões com doce e rótulos a nomeá-los, taças com cerejas dentro, figos sobre um amplo prato, bolos inchados, a rebentar de chocolate e doce de ovos, balcões revestidos a madeira, toalhas de mesa, guardanapos, tinta branca nas paredes, um avental sobre o corpo, o cabelo preso, limpar o cansaço ao braço e no fim do dia, fechar a porta, baixar as luzes, sentar na mesa dos outros e olhar à volta.
Tive de dizer às irmãs e ao irmão, presumi pelos olhos azuis que os três traziam consigo, que foi a melhor sopa de cenoura que já comi na vida. E depois de dizer isto pensei: que raios, será que eu serei a única pessoa no mundo capaz de um comentário destes?

Pronto, o tipo tem uns tiques estranhos e levanta suspeitas pelo vermelhusco da cara, mas era o que estava a passar ao almoço e soube tão bem ouvir umas faixas que achei que devia  prestar homenagem à minha primeira sopa de cenoura decente, com a música do Gavin Lee, o senhor do dia da sopa.

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