sexta-feira, 2 de julho de 2010

Grave e sério, de quem mói um sentimento

(a coisa das reuniões de trabalho deve ser, a longo prazo, uma coisa muito cansativa)


O Porto que se entornou fora do cálice.

Sempre tive uma relação física com a cidade. Uma relação física que ultrapassa o caminhar nas ruas, uma relação de corpo abraçado a outro corpo. O Porto era a cidade-mulher. A mulher que me enchia os olhos de água sem motivo nenhum, apenas por ser cheia de si, pelo órgãos, pela cabeça, pelos pés, por se bambolear pelas ruas sem ligar nenhuma aos olhares dos homens famintos que não sabem fazer nada a uma mulher que se bamboleia pelas ruas e faz chorar as outras mulheres. Nunca entendi muito bem porque foi sempre, desde muito cedo, a minha cidade. Acho que nunca somos da cidade onde nascemos e eu senti sempre que pertencia ao Porto de uma forma maternal, como se o masculino do género, escondesse uma forma uterina secreta, só para mim, de onde eu podia de facto, ter saído. Mas não, nasci em Lisboa. Nasci explicitamente de uma mulher. Nada de poesias. Lisboa engravida, não há que enganar.

Hoje,
O corpo da mulher-Porto envelheceu. O homem-novo perdeu a memória.
O Porto entornou-se, mas deu-me um sinal. O regresso de combóio, brindou-me com mil ninhos de cegonhas. As mesmas que escrevia e pensava há dias, não ver nunca mais. Foi impressionante. Uma chuva de ninhos de cegonhas, só para mim. Eram cópias e cópias e cópias de ninhos em cima dos postes eléctricos. E por momentos, o Alentejo estava ali, em postes eléctricos do Porto, do lado de lá do vidro do combóio onde eu ia. Melhor: a minha memória sobre os ninhos das cegonhas, a minha saudade sobre uma imagem, caiu-me ali, aos pés, sem eu precisar pedir.
Voltei mais triste com a geografia. O Porto está um cão vadio, um velho de mão estendida a olhar para uma criança a sorrir.


P.S. Claro que os dois super-bolos, os dois bolos-gigantes que eu comprei num café, toda contente e que sabiam a ranço como nunca provara eu, ranço tão apurado em toda a minha vida, talvez tenha ajudado à mudança de perspectiva.

Não posso é ouvir a música do Veloso nunca mais, que me desfaço em toponímas pela cara abaixo.

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