A coisa da morte das vedetas, sempre me afectou. Vedetas pirosas, vedetas bonitas, feias, enfim, ver as figuras da tela abalarem, consciencializa-me de uma forma estranha, que a morte está mais perto, é mais provável do que eu sinto. Há quem a sinta através de profundas leituras, de um olhar para uma paisagem bucólica, quem só pense na morte, quando se depara com a existência dos hospitais, eu realizo-a de forma muito forte, quando as pessoas que me são distantes, anónimas, desconhecidas, morrem. O cantor beto, morreu. Foi o coração. Sexta-feira aconteceu uma coisa que me deixou a pensar em algo que nunca senti tão próximo. Morreu uma mulher atropelada em Oeiras por um autocarro, em cima de um passeio, pelo qual estaria eu a passar, uma hora depois, para comprar o jornal. Se a mulher não tivesse sido atropelada às 11 da manhã, eu estaria, por volta do meio-dia, a passar por ali, para comprar o jornal. Já tinha dito aos colegas: hoje não almoço com vocês, porque é sexta e vou comprar o jornal. Ao meio-dia, não me apeteceu ir, e fui almoçar com eles. Uma hora depois, fico a saber que morre uma mulher ali. A sensação de eventualmente, ser tudo uma questão de roleta temporal, é fascinante e tramada. Fosse eu a passar ali, e teria sido eu. Não teria escapado. Não há grandes possibilidades de reagir, quando um autocarro sobe para cima do passeio. Mas não fui eu. Porque não tinha de ser eu. E fiquei a pensar que estava a pensar aquilo e a lamentar-me pela pobre mulher, pela criança e pelo condutor - de certa forma, a hora foi dele também e para sempre - e que podia acontecer, morrer um, dois ou três dias depois. Que podia estar destinada a lamentar-me por alguém e estar feito para mim, que desapareceria brevemente, também.
Não costumo pensar na morte. Tal como deus, sempre foi uma questão sobre a qual não pensei muito. Não me produz qualquer tipo de interrogação, não acho que compreendam, como ideias, qualquer tipo de complexidade. Não em si, por si. A fé e o tempo na morte, sim. Então, o beto poderá ter pensado: coitados, que azar terem morrido em cima do passeio. E domingo, morre pelo coração que será, digo eu, o único órgão com direitos divinos sobre a nossa cabeça. Não sei se me lamente de ter coração e não ter só cabeça, se é um consolo acreditar que o coração compreenderá quando a minha cabeça não aguentar mais e apague as luzes, sem grandes perguntas.
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