Hoje apanhei o das 23.
Quatro mulheres no banco do lado. Quatro mãos a mostrar tudo. Uns quarenta bem pesados e penso que os meus quarenta seriam, foram, serão, tão distantes dos quarenta delas. Nas mãos, a aliança grossa, a reluzir. Nas mãos de todas elas. Falam sobre o emprego que têm. Todas me parecem ter o mesmo emprego. São mulheres, daquele género de mulheres, que aos olhos da natureza, são mulheres a sério. As mulheres velhas. Eu, nunca serei uma mulher velha. E fico triste, de cada vez que vejo uma mulher velha, com a angústia da casa a prestações, dentro da mala. Estas mulheres costumam pedir-me que pense nelas. E isto acontece, com alguma frequência, através da aliança que trazem no dedo. Os corpos são pesados, com o peso que as coisas sérias têm. Olho para elas, com os meus phones adolescentes enterrados nas orelhas e penso, porque nunca serei uma mulher daquelas. Pesadas e a sério. E penso que às vezes, como hoje, gostava de me sentir perdida entre a multidão, de fazer parte dela. Gostava de me confundir com as mulheres velhas do combóio, com as experiências das intrigas de anos de trabalho, as conversas sobre a entrada dos filhos na escola, sobre a subida do preço do pão, sobre a mudança do chão da sala. E entre uma música boa e outra da qual, apenas gosto, desligo tudo e prefiro ouvi-las e admirar aquilo que eu não sou nelas. A inveja rodeia-me. Eu, nos meus quinze anos, olho para as mulheres de quarenta e penso que aos quarenta, eu nunca os terei. Eu nunca terei estes quarenta anos. É neste momento de certeza feminina, que inicio o processo de desgosto, quando penso, porque raio as minhas ancas não alargaram, a minha pele não acelerou as rugas para me mostrar a falta que o tempo me faz, porque é que não estou divorciada, porque é que não tenho uma conta-poupança, um empréstimo de carro para pagar, porque é que não sei cozinhar, porque é que não estou casada e gorda, porque é que não estando em nada disto, não me sinto em lado nenhum a ser nem mais nem menos. E invejo as vidas falhadas de algumas mulheres sérias. Invejo, até ao âmago da falha delas, até ao momento em que se arrependeram de não ser outra coisa, nas noites em que choram por falta de afecto, nos dias de Verão em que cobrem o corpo esburacado, com a vontade de ficar em casa, nas tardes de domingo em que se sentam do outro lado da mesa, à espera de um beijo, no olhar que deitam aos filhos, à hora de dormir, no desânimo que o espelho devolve, cada vez que passam o algodão em redor da boca, nas conversas com as amigas de sempre, no combóio, sobre as coisas de sempre, as coisas sérias. E não me importa saber se serão felizes ou não. Não importa mesmo nada. Não anula a minha inveja, não me faz refrear a estranheza por saber nunca ser ali, com elas, alguma coisa próxima, sequer. E quando escrevo isto, pensando sobre os dez minutos de combóio que levo comigo, para o dia, tenho a certeza que faz todo o sentido que eu não possa ser nunca, uma delas. E que gostava de ser, simplesmente pelo gosto de saber o que é ser, uma mulher-séria.
É tudo.
É tudo.