As coisas assumem, a meio da noite, uma seriedade próxima à que se encontra quando se descobre quantos dias nos restam de vida. Ou quando se sente isso, sem se saber. Ontem, pelas duas da manhã, acordei ao som de uma música que alguém no prédio ao lado ouvia. Abri os olhos e não me movi. De repente, aquela música era para mim. A facilidade com que as coisas me provocam medo, provoca-me medo. E ouvir a música ali, deitada, protegida, levou-me para um tempo que não recordo ser o meu, mas onde estive. Onde estou todos os dias em que acordo a meio da noite e estou fora das paredes, estou a andar pelas ruas, a olhar para a noite das pessoas, a procurar certezas a partir do momento em que deixei de sonhar com conclusões sobre mim. E a meio da noite, as minhas coisas são insuportáveis, irreversíveis, acabam mal, são de minha responsabilidade, são culpadas por mim, pelo que eu fui sendo, pelo que eu dou e pelo que eu deixo de ser e de dar. A música demorou mais tempo que o habitual a acabar e eu ouvi repetidamente a letra, como só a meio de uma noite, se pode ouvir alguma verdade, com atenção.
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