Ela, a Ana, deixou de escrever. E é quando as ameaças da ausência pairam sobre aquilo para que olhamos, que pensamos como o outro pode ser belo, sem pedir que o seja. Ler alguém, acompanhar alguém que escreve sem refúgios, é raro. Encontrei-a, por acaso, no meio de tantos outros nomes, de tantos outros relatos magoados e felizes, que bem escritos, bem armadilhados em gramáticas de luxo, em referências hipnóticas vindas da massa erudita das grandes referências, me abalaram pouco ou me abalaram objectivamente num determinado ponto, num determinado sinal, mas não em tudo, em todo o espaço, permanentemente.
Esta Ana, barrou-me a saída. Encontrei-a, como um dia encontrei na Siddhartha do Hesse, que comprei numa feira, um papel com uma inscrição chinesa. Paciência, dizia. Era de outro, o papel.
Escrever bem, é coisa que não existe. Uma pessoa escreve o que sabe da forma que os outros sabem. Não há escritas pessoais, pensamentos únicos, ideias originais, visões peculiares. A universalidade do andar, leva-nos ao mesmo patamar: a soberba de acharmos sobre o mundo, que somos um mundo maior. E somos.
E a Ana (eu) pressentia há dias, através das lágrimas de outra Ana (a do cinema) que a Ana (do deserto) se ia. E foi.
Um excerto daquilo que considero ser, com e sem toda a pretensão do mundo, um final perfeito.
Num dia qualquer da minha vida levei um contingente de soldados italianos para o Iraque. Um voo daqueles memoráveis, com uma tripulação impecável, cheio de gargalhadas, bom humor de pronúncia arrastada, muitas fotografias mostradas - questo é il mio figlo - muitas coragens expostas - Sono stato a Timor - muitos feitos para contar - sono Carabinieri - e no fim, já na chegada a Bagdad, muitas despedidas sentidas, muitos abraços trocados e muitos acenos sinceros - arriverdeci! Vieniti a prenderi noi! Vi aspettiamo!
Passadas duas semanas, debaixo do calor dantesco de 47º da cidade do Kwait, oiço na CNN que o contingente italiano acabado de chegar ao Iraque foi atacado. Exterminado. Ninguém sobreviveu. Subo ao quarto do 38º andar do hotel, sento-me nos pés da cama e choro como se estivesse aos pés da sepultura de cada um deles. Sinto-me tão sozinha. Penso nos miúdos que nos acenaram às portas do avião, lembro-me dos beijos quentes das mulheres, dos acenos dos lenços, da fé dos terços. Penso que o mundo é ainda mais injusto, que Deus às vezes parece que cega, que não aguento mais isto sozinha.
Paciência, Ana. Paciência com Deus, é o que é preciso.Também espero que não cedas à tua avó.
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