Entrei na fnac e percorri as promoções. Às vezes lembro-me, às vezes esqueço-me. Mas basta-me que lembrar, aconteça algumas vezes, para me fazer crer que essa memória ficou, pelo que a minha cabeça quis que ficasse. Dolls. Pensei que não o conseguiria rever, como pensei quando vi o 2046 e me lamentei profundamente, por os filmes pelos quais esperamos a vida toda, terem um fim, tal como os amigos, os amores, os filhos por quem esperamos a vida toda, nunca serem o tempo todo, só para nós.
Para ver com alguma paciência, em regime caseiro. Para ver com o coração na cabeça, no esplendor que é, assistir a isto, no cinema. Repeti hoje, pela segunda vez, a coisa maravilhosa que me aconteceu quando decidi entrar numa sala de cinema para ver este filme há uns anos.
De uma inteligência muda e dolorosa. Dos filmes mais profundamente tristes, perturbantes e arrebatadores que já vi.
Daquela tristeza que o Cave dizia existir em todas as coisas.
Ela esperou por ele a vida inteira num banco de jardim. Levou-lhe todos os dias o almoço que ele nunca provou. Todos os dias ela o alimentava com tempo e comida. Tempo e comida. E tão facilmente se acredita, a partir daqui, que é possível esperar a vida inteira por uma pessoa num banco de jardim, que fazer da ideia da espera amorosa, uma coisa credível, só pode acontecer com algum cunho mágico entre o milagre do cinema e a fé que tivermos naquilo que é possível fazer por alguém que está em nós.
Dois amantes. Uma opção. Um arrependimento. Voltar atrás e a cabeça ter seguido para outro lado. E ser tão ferozmente impossível, fazer a cabeça regressar. Desconhecer-lhe o paradeiro, tornar as palavras desnecessárias, inúteis. Voltar atrás, depois de ter feito acontecer um novo tempo particular. Recomeçar a dois, quando uma das cabeças recusou o tempo comum. Ir atrás do tempo comum para salvar o tempo do outro, através de uma corda vermelha. Aqui, não há redenção. O estranho dos outros é sempre mais estranho que o nosso. A dor das pequenas coisas que acontece depois da dor maior. O objecto infantil nas mãos dela que deixa de funcionar e o alastrar dessa impossibilidade a todos os cantos da vida. O golpe de inteligência inultrapassável da cena do "i wish you were here" com o objecto de desejo ao lado, a um passo de tudo, ali. Ou do abraço do "perdoa-me" sobre o corpo inerte. Para nos lembrar que podemos salvar de forma tão simples o que escolhemos perder. Ou talvez não. Como as coisas podem sempre ser tão diferentes daquilo que são, como podemos fazer tudo, daquilo que somos, ser outra coisa e voltar atrás e fazer igual na mesma, mas num outro tempo onde tudo está, invariavelmente, diferente.
E que o kant não se venha meter no tempo, porque o tempo, é isto. Culpa.
Com toda a certeza, não voltarei a ver.
Enquanto esperamos pelos outros no grande banco de jardim que é o tempo.
E que o kant não se venha meter no tempo, porque o tempo, é isto. Culpa.
Com toda a certeza, não voltarei a ver.
Enquanto esperamos pelos outros no grande banco de jardim que é o tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Verdades