[...] Os ovos kinder, um dos mais populares produtos de chocolate à venda em toda a Europa Central, são cascas de ovos de chocolate embaladas em papel colorido. Quando tiramos a embalagem de papel que envolve o ovo e partimos a casca, descobrimos um pequeno brinquedo de plástico (ou peças de um pequeno brinquedo que devemos montar). As crianças que compram estes ovos, com a pressa de tirar a embalagem e partir a casca, nem sempre se dão ao trabalho de comer o chocolate. O que lhes interessa é o brinquedo escondido no interior do ovo. Estes apreciadores de chocolate não ilustrarão, à sua maneira, a fórmula de Lacan, «Amo-te, mas, por amar inexplicavelmente algo em ti que é mais do que tu, mutilo-te?»
[...] E se só estivermos verdadeiramente vivos quando nos comprometemos numa intensidade excessiva que nos põe em contacto com um para-além da «simples vida»? E se, quando nos focalizamos na mera sobrevivência, mesmo que isso seja considerado como «passar uns bons tempos», estivermos afinal a perder a própria vida? E se o terrorista palestiniano prestes a perpetuar em atentado suicida estiver, formalmente, «mais vivo» do que o soldado americano engajado na frente de guerra diante do ecrã de um computador situado a quilómetros do inimigo, mais «vivo» do que um jovem quadro nova-iorquino, dinâmico e ambicioso, que pratica jogging ao longo do rio Hudson para manter a forma? E se, para utilizar os termos da psicanálise, um(a) histérico(a), através do seu questionamento permanente, excessivo e provocador sobre a sua própria existência, estiver verdadeiramente vivo e a escolha do obsessivo(a) representar o modelo da «vida na morte»? Por outras palavras, o propósito de todos estes comportamentos rituais não será o de procurar impedir precisamente a «Coisa» de acontecer, essa «Coisa» sendo o próprio excesso de vida? A catástrofe que o sujeito teme não será, afinal, que lhe aconteça realmente qualquer coisa?
A marioneta e o anão
Slavoj Zizek
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