sexta-feira, 21 de maio de 2010

Que função desempenha o sonho no ser humano?

Eu diria que o sonho é aquilo que é mais especificamente humano, mesmo que para isso eu tenha de reduzi-lo a uma categoria de acto que recusa a realidade. Portanto, o sonho é a actividade do espírito que nos quer libertar do fracasso, da frustração, da decepção, da impotência, e que mostra que nós somos um animal inconformista, um animal revoltado. Poderíamos usar várias expressões filosóficas para descrever o humano mas não o hommo sapiens sapiens, que é isso que não somos. Teorias como o empirismo, o racionalismo, o pragmatismo que se baseiam na apologia do progresso, da razão, da ordem negam isso, As teorias românticas, como o neo-romantismo que hoje é transportado pela psicanálise e pelo marxismo, são teorias do Homem dramático, do Homem revoltado, do Homem inconformado com a exploração do Homem pelo Homem, da mulher pelo homem, com a injustiça, com a humilhação, com o racismo, com o preconceito, etc; são teorias do Homem inconformado com o seu próprio recalcamento, ou seja, com a impossibilidade de sentir, de viver, de pensar, de ser agente, de ser autêntico, de tér uma identidade pessoal, de correr riscos em nome de si próprio... Deste modo, o marxismo e a psicanálise são, para mim, as correntes modernas que continuam a exprimir a problemática do Homem inconformado. Foi nessa acepção que Edgar Morin propôs que se alterasse a designação de homo sapiens sapiens para homo sapiens demens. O sonho é o demens e é o demens que é a parte realmente humana do Homem, é o acto louco. Louco quer dizer que nós temos que viver fora do real porque temos uma alma tão sensível, tão vulnerável, tão traumatizável face a realidades que podem estar tão fora de nós como a morte, ou biológicas como a doença, o envelhecimento, a decrepitude, ou de outras coisas que vêm das relações inter-humanas: o racismo, a opressão, crianças a morrer à fome, genocídio, tortura, actos terríveis que os Homens podem fazer alguns muito visivelmente terríveis, outros disfarçadamente terríveis, organizadamente terríveis que magoam tanto que nós desejaríamos que o mundo fosse qualquer coisa que não é. Posto isto, o problema é que nós vivemos entré o que há e não gostamos e o que não há e queríamos que fosse, ou seja, temos ideais, protestamos contra a realidade e inventamos outra porque queremos fugir à angústia. E o sonho é a forma que os humanos têm de vencer a adversidade.

José Gabriel Pereira Bastos
ou o professor mais giro da FCSH

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