sábado, 28 de abril de 2012

“Anybody can learn to think, or believe, or know, but not a single human being can be taught to feel... the moment you feel, you're nobody-but-yourself - in a world which is doing its best, night and day, to make you everybody else - means to fight the hardest battle which any human being can fight, and never stop fighting.”

e.e. cummings

sábado, 7 de abril de 2012

Do que amor não é

We need to talk about Kevin - 2011



« [...] There's a world where I can go /and tell my secrets to /In my room /In my room/In this world I lock out / all my worries and my fears/ In my room/ In my room
Do my dreaming and my scheming lie awake and pray/ Do my crying and my sighing laugh at yesterday/ Now it's dark and I'm alone /
but I won't be afraid/ In my room/ In my room [...] »



A ausência naquilo que se cria, que se tem, em que se acredita. E se um filho for um estranho? E se um filho tiver sido, sempre, um estranho?

A revelação de que o sangue assume, no contexto familiar, uma ilusória responsabilidade humana sobre o outro, uma espécie de falso positivo sobre toda a existência, sobre o projecto umbilical, pode constituir-se como a mais aterradora das possibilidades: o irreconhecimento de nós próprios naquilo que é nosso, por escolha ou acaso, e que acreditamos ser o nosso sentido, no universo de possibilidades da nossa vida.
O sangue está presente em todo o filme, através de uma longuíssima extensão da cor, para dizer isso mesmo, de forma cautelosa mas com uma subtileza que atinge, por vezes, o cómico. Acontece muitas vezes que queiramos limpar aquilo que existe de sanguíneo na nossa vida, aquilo que existe de ligação de sangue às coisas, às pessoas. A incompreensão no sentimento de ódio, de repulsa que se pode desenvolver por um filho, por um pai, por uma mãe, por um amigo, pela sociedade inteira, por um grupo de pessoas, pela própria vida. A nuclearidade que se ausenta daquilo que devia, por convenção natural, rodear-nos de segurança, prazer, beleza, espanto, amor. Nunca a justificação encontrada servirá, de forma lúcida e racional, para se sobrepor à vergonha e à culpa da realidade destes sentimentos.


A expressão das várias tentativas de limpeza do sangue, entendido, simbolicamente, como a ligação emocional e física entre mãe e filho - substituível por qualquer outra ligação -, surge, no filme, como que impossibilitada. As marcas de tinta nas paredes da casa, o doce de morango e as luzes avermelhadas que surgem recorrentemente ao longo de todo o filme. Os ovos partidos dentro da caixa.
Todos os esforços empreendidos, todas as fugas, as estratégias, as pequenas esperanças são gestos em vão, que caiem dentro do imenso e inexplicável buraco do dever familiar. Tens de amar o teu filho. Tens de amar a tua mãe. Tens de amar o teu pai. Tens de gostar de viver. Tens de saber ligar-te ao outro e amá-lo. Não é possível que seja de outra forma, não é possível que substituas esse sentimento por outro, não podes não desculpar, não proteger, não querer recordar, não determinar toda a tua existência a partir da tua cria, do teu espaço, das tuas pessoas, dos teus vizinhos, da tua família.


Reconhecer as escalas: uma criança não pode exercer sobre uma mãe – um adulto-, qualquer tipo de perversidade de forma intencional. Tudo o que provém de um filho, de uma mãe surge despido de erro. Uma criança não desafia um adulto de forma calculada. Não existe a mínima possibilidade de antever, nas suas acções, um plano prévio. E se uma criança é mais do que uma criança e ultrapassa a realidade física de ser, apenas, um corpo pequeno, tornando-se um símbolo de dor?


Uma mãe que não actua, que não questiona, que não castiga, que não prevê, que não teme. Uma mulher que aceita a misteriosa condição do filho e de si própria, como progenitora, e integra a estranheza que ele representa, numa vida que decorre com uma normalidade assustadora. Uma mulher que observa.



O que de mais duro acontece é que a raiz do mal, o filho, a determinado momento, inverte surpreendentemente toda a lógica do jogo, ao assumir, após um episódio - talvez no único acto explicitamente violento que a mãe  dirige à criança -, a culpa prática desse gesto. Contrariamente ao que seria de esperar - que Kevin denunciasse, de forma impiedosa, o momento de desequilíbrio da mãe -, ele protege-a, afasta-a da responsabilidade. A partir desse momento, todo um esquema de poder já instituido mas nunca declarado, assume-se, claramente, aos olhos da mãe e do espectador. Esta ideia é reforçada quando, a caminho de casa, Kevin toca levemente sobre a cicatriz que resultou do acidente relembrando, de forma absolutamente brilhante, que a condução da realidade de ambos passou a ser controlada e determinada por si. Em suspenso, a verdade escondida, entre ambos.


O interesse do filme reside, acima de tudo, na abordagem que faz sobre a construção da personalidade humana. Ao deixar para trás elementos como o peso do contexto na construção da personalidade, adquire uma profundidade que, se por um lado, nos leva a percepcionar alguma originalidade na abordagem do tema, deixa-nos sem suporte, sem matéria que justifique tudo o que vimos.


Não existe contexto, ou seja, não é revelado qualquer momento de crise que possa desencadear o desenrolar dos acontecimentos. Não existe nenhum casal disfuncional, nenhuma dificuldade na relação com os bens materiais, nenhum trauma, nada se desenvolve, ao longo da acção, que possa utilizar-se. O espectador fica sem intrumentos, totalmente desprovido de argumentos. As coisas simplesmente acontecem. Acontecem por determinação da natureza, porque se nasceu assim, por moralidade orgânica, porque se foi sentindo assim em relação a tudo. Não há qualquer prótese existencial mostrada ou sugerida. Nenhum contexto moral, nenhum perfil educacional pré-determina a conduta do indivíduo. Daqui que o próprio protagonista, na cena final do filme, em que o abraço materno surge em forma de perdão universal assuma a não compreensão do seu acto e responda, ao porquê, com a ignorância de quem desconhece o sentido de tudo.


Curiosamente, e após o culminar que se adivinha desde o início do filme, aquela que sempre funcionou como objecto/alvo de violência é a única que é salva por Kevin. Salvação esta imbuída da mais cruel das condenações: a memória.
A questão: e se o mal for inato e se constituir, apenas, como uma banalidade?

«There is no point. That`s the point»

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

“ a casa é, evidentemente, um ser privilegiado; isso desde que a consideramos ao mesmo tempona sua unidade e na sua complexidade, tentando integrar todos os seus valores particulares num valor fundamental. A casa fornecer-nos-á simultaneamente imagens dispersas de um corpo de imagens. Em ambos os casos, provaremos que a imaginação aumenta os valores da realidade [...] Nessas condições, se nos perguntassem qual o benefício mais precioso da casa, diríamos: a casa obriga ao devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz. Só os pensamentos e as experiências sancionam os valores humanos. Ao devaneio pertencem os valores que marcam o homem na sua profundidade. [...] Então, os lugares onde se viveu o devaneio reconstituem-se por si mesmos num novo devaneio. É exactamente porque as lembranças das antigas moradas são revividas como devaneios que as moradas do passado são imperecíveis dentro de nós.


O nosso objectivo agora está claro: pretendemos mostrar que a casa é uma das maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. [...] O passado, o presente e o futuro dão à casa dinamismos diferentes, dinamismos que não raro interferem, às vezes opondo-se, às vezes excitando-se mutuamente. Na vida do homem, a casa, afasta contingências, multiplica os seus conselhos de continuidade. Sem ela, o homem seria um ser disperso. ”




Bachelard

domingo, 25 de dezembro de 2011



A tristeza de todas as raparigas comuns.



A tristeza surge em mim, sob a forma de golpes tão simples como a variação da luz das janelas de um prédio, que ora produz a sensação profunda de um conforto maternal, ora agride, com a clareza de um branco aberto, que expande e deixa expostos, todos os medos. Como aquilo que representa, num filme, a morte de um dos amantes, a forma abnegada como alguém lê ao outro, um livro, a dificuldade que existe, nas pequenas tarefas diárias, o desembaraçar de um colar, o lápis que cai para o lado impossível da cama, as chaves perdidas dentro de uma mala-existência, a esperança depositada sobre toda a vida e que se converte, um dia mais tarde, um dia de Natal, na responsabilidade de um esforço, de um gesto.

Can we just hug?

sábado, 3 de dezembro de 2011

The mystery of goodness…is it a mystery or do you think goodness is a deep human virtues that emerges?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Grandes Esperanças

Ouvi esta música num lugar. Num lugar que já não recordo e que, como muitos outros, já perdi. O que ficou desse lugar, que agora esqueço, foi a sensação da melodia perfeita. Hoje, alguns anos depois e com a memória do sentimento que me provocou, ela surge e traz-me exactamente aquilo que ela é.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A repetição

« Enterra-se um  dedo no solo para cheirar em que terra se está; eu enterro o dedo na existência - ela não cheira a coisa nenhuma. Onde é que eu estou? Que significa dizer: mundo?»
K.


Poucas perguntas me fazem pensar muito. Já poucas coisas me fazem pensar muito – escreveria eu assim, depois. Na verdade, sinto que cada vez que passa um dia (e um dia só acontece uma vez), as possibilidades de me esvair no pensamento comum, se tornam latentes. Latente é uma palavra que sempre me fez pensar em impulso e esta em Freud. Aos oito anos, eu pensava que a palavra impulso tinha um cariz puramente sexual e como tal, assumi que era uma espécie de palavra maldita. A psicologia é como outra coisa qualquer. Quero com isto dizer que, tal como a religião, o voluntariado, o sexo, o amor, a praia, a arte, a zara, o espiritismo, o sushi, a procriação, o dinheiro, a cultura, o cabeleireiro, os filhos,  as meias de lã, também a psicologia, coitada, se constitui como uma estratégia de fuga. O problema do Reich é mesmo esse: quando não queremos fugir. Parece-me legítimo que a desistência do labirinto seja saudável se com isto se concluir que não há nem nunca houve qualquer labirinto mas um impulso absurdamente humano, de caos. O verdadeiro cansaço que algumas pessoas me causam concentra-se na facilidade com que se me apresentam desprovidas de qualquer interesse refutativo e se assemelham, ao mesmo tempo, a indivíduos sem cor, com coração de betão. Tem certa graça, gente assim. A minha disposição oscila entre alguma simpatia humana e a tentativa, vã, de me sujeitar animalescamente a pessoas em que não acredito e uma coisa que sempre me custou três encarnações, foi justamente a proximidade com a minha própria repulsa. Fossem os psicólogos um coelho apodrecido no interior de um frigorífico, ou uma aranha no canto de um quarto e talvez encarasse as minhas oito horas diárias, não como um festival de ingenuidade existencial, atestado pela academia, mas como uma terapia de grupo.

Amanhã, há greve outra vez.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

bingo

« If you can`t find God in the expression of man, then where do you find it? »

King Vidor

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A primavera floresce à sua maneira



Uma borboleta vem morrer
entre duas pedras
aos pés da montanha
a montanha derrama sombras
sobre ela
para esconder o segredo da
morte.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A mulher de gémeos

Descobri que não sou uma rapariga. Sou um signo.

« Mesmo que pensem conhecer esta mulher a fundo, as opiniões dos amigos e parentes nunca serão parecidas. A geminiana equivale a várias mulheres, todas diferentes, que variam conforme seu estado de espírito.

Quem conhece uma mulher de gémeos sabe que é muito difícil ver a mesma pessoa por muito tempo. Suas fotos nunca parecem ser da mesma pessoa e suas mudanças de comportamento deixam qualquer um sem saber se acabam de conhecer uma nova mulher ou se ainda está falando com uma velha amiga. Se existe algo que pode matar esta mulher é a monotonia. Ao contrário do que possa parecer, seu jeito misterioso consegue agradar a muitos [...].

A mulher de gémeos não muda de personalidade. Ela apenas mostra todas as mulheres que vivem dentro dela.

Às vezes ela pode ser tão volúvel e imprevisível, que se deixará encantar pelo sorriso ou pelo olhar para, logo depois, começar a criticá-lo com a mesma intensidade.
Esta capacidade que ela tem para se apaixonar e se desiludir logo em seguida pode partir muitos corações até que tenha certeza de que realmente acabou de conhecer o homem de sua vida. Bem, para falar a verdade, é ele que vai ter que convencê-la de que é o homem de sua vida. Se deixar para ela a tarefa de analisá-lo, pode ter uma tremenda decepção! E a melhor maneira de conquistá-la é sendo sempre a mesma pessoa. Ela aprecia mudanças em sua vida na sua personalidade e adora experimentar novas sensações, mas quer um homem bem previsível ao seu lado. Previsível, mas nunca passivo.

O seu temperamento faz com que aceite as mudanças com mais facilidade que as outras mulheres [...]
Para ela é difícil entregar-se a uma pessoa sem enfrentar suas dúvidas.


Sabem aqueles desenhos onde alguém é atormentado por um anjinho e um diabinho que ficam dando opiniões sobre o que é melhor fazer? Pois é mais ou menos assim que funciona a mente desta mulher.
Tirando o amor e o romance que costumam atormentá-la com a ideia de perder sua liberdade, nas outras coisas ela é directa e não costuma fazer rodeios.
Se algum dia ela descobrir que a melhor escolha que fez acabou se tornando um pesadelo, não pensará duas vezes em largar tudo para recomeçar do zero. A mulher de gémeos não se prende muito aos seus erros se descobrir que fez uma escolha errada!
Tirando as suas fases azedas que fazem com que fique insuportável com seu cinismo e língua afiada [...] é uma mulher afável e cativante.

Ela jamais ficará calada se puder falar. E jamais andará quando puder correr »


quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Biscuit

The dog has cleaned his bowl
and his reward is a biscuit,
which I put in his mouth
like a priest offering the host.
I can't bear that trusting face!
He asks for bread, expects
bread, and I in my power
might have given him a stone.

Jane Kenyon

sábado, 17 de setembro de 2011

dicionário de simbolos

Ontem sonhei que tinha um pequeno dragão entre as mãos. Estava ferido e gemia.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

domingo, 28 de agosto de 2011

CÁRIE DENTÁRIA EM PARIS


Alguma coisa em mim me corrói

Fumo demasiado
Bebo demasiado

Morro demasiado lentamente

H. Muller



sexta-feira, 26 de agosto de 2011

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Recoil

Who wouldn't want a good girl, a soft hand,
A gentle woman for a gentleman?
He said, "It's been fine so far but after a while
I want more than a soft style.
I want some slashes
To go with those long eyelashes."
And so the bedroom became the black room

But a year later he wanted something more,
Something I wasn't quite prepared for.
He said, "Every woman has an itch
And every nice girl secretly wants to switch."

"I like how the skins look on your white hands.
I'd like you to deliver one of my demands."
He said, "Every woman has an itch
And every nice girl wants to switch."

He led me in and lit the room with a hundred candles
And said "God never gives you more than you can handle."


I sat astride his chest, "It's just a thrill," he said,
As he relaxed on the dark, dark bed, "it's just breath control."
He whispered "Hold me here" and I did and his head fell back.
He whispered "Press harder" and I did and his eyes rolled back.
It's just breath control. Just breath control.

I saw him go pale. I saw him seize up,
I felt something creep up like a taste for this.
Like a reward.
A kind of love,
A kind of lustmord.
It was a minute then three then five then ten,
He wasn't coming up again.
I held on for twelve.

I saw him seize and thrash and twist
And when he was still, I lifted away my wrists
And looked at my hands
And tried to understand.



"It's just a thrill" I said
As he relaxed on the dark, dark bed.
I sat aside his chest,
"It's just a thrill," he said,
"just a thrill. It's just breath control."


When it was over, I slipped off the skins
And drowned them in the river where we used to swim
And a year later in a shop, I was stopped by a man.

He said, "I know you're looking for something that's hard to find
And I think I have what you have in mind."
And he led me to a glass case
And looked deep into my face...

"It's just... control."



quinta-feira, 11 de agosto de 2011

De facto, Ana, esta cena é demolidora.



I guess I could be pretty pissed off about what happened to me... but it's hard to stay mad, when there's so much beauty in the world. Sometimes I feel like I'm seeing it all at once, and it's too much, my heart fills up like a balloon that's about to burst... And then I remember to relax, and stop trying to hold on to it, and then it flows through me like rain and I can't feel anything but gratitude for every single moment of my stupid little life... You have no idea what I'm talking about, I'm sure. But don't worry... you will someday.





« as pessoas tipicamente burras, não são incomodadas por questões »

A televisão serve para estas coisas. Convencer-nos de que, acima de todas as dores, o que existe mesmo e apenas, é um cérebro a fervilhar literatura russa, a toda a hora, a toda a hora, a toda a hora.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

« A ficção redime-nos »

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Não gosto quando me tratam por «menina» nos cafés. Não gosto quando meninas, mais novas do que eu, me tratam por «menina». Faz-me sofrer duplamente. Primeiro, porque fico enternecida com a delicadeza feminina e porque vislumbro, no olhar delas, uma certa contemplação clássica sobre o meu perfil purificado, de jovem inocente, feliz e realizada. Depois, porque o sinto, ao mesmo tempo, como se contendo um desdém sobre a minha experiência, uma experiência que sobrevoa a vida com asas feitas de tule. Umas asas de faz de conta. Acontece assim: elas dizem «menina» e dentro disto, existe também um enorme jogo de bofetadas que me dão e em que cada uma delas representa uma forma de me fazer ver como a vida das «meninas» que elas são surge marcada pelo tempo, pela sedução, pelo esforço, pela decepção. E sinto que todo este embrutecimento latente numa só expressão, excede em anos, todas as minhas certezas e agride, com alguma profundidade, tudo aquilo que penso sobre mim.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

não sou uma pessoa corajosa nas pequenas coisas. É curioso.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Spend her life inside, she thinks she isn`t blessed

« Toc, toc, tens um passarinho na cabeça. Toc, toc, não pára de te dar bicadas, quer que lhe dês comida argentina. Toc, toc »


Reconheci que nunca iria escrever. Memórias. Sempre estranhei que, no meio de tanta publicação mundial, se escrevessem memórias. Para que serve assumir aquilo em que estamos, aquilo que fomos, o que achamos daquilo que fizemos? De qualquer forma, resolvi, ao assumir a impossibilidade, tentar fazê-lo. Há quem pense muito no processo das coisas. Eu não sou assim. Não entendo percursos, estratégias, caminhos. Só me dá para pensar naquilo que a probabilidade me traz como acontecimento meu, para mim: isto está aqui, existe, eu vivo, deixo de viver, ouço, vejo, toco. Para além disto, nada me basta o suficiente para me fazer pensar. Não sei ser a rapariga de alternativas que o desejo social exige. Porque não o desejo. Não o desejo particularmente. Não saberia reproduzir uma marylin. Torna-se incompreensível para mim, reproduizr.

As pessoas vivem, na sua maioria, como citações umas das outras. Casam com a citação de si, naquele momento. Envelhecem a pensar que encontram um novo corpo-pensamento, e em citação, amam de novo outra forma de pensar. Vejo muitos aviões a passar, durante o dia, dentro da sala. Vejo aviões e muitas pessoas. Não acho especialmente nada. Nem sobre os aviões, nem sobre as pessoas. Olho pela janela e penso que é uma das poucas cenas em que consigo não duvidar de tudo. Gente com os pés sobre o chão e gente a voar sobre a minha cabeça. Passa sempre o mesmo carro com uma mulher lá dentro, de cada vez que olho. Penso em canetas. Canetas que escrevam bem, de tinta azul, que me tornem a letra perfeita. A minha letra, foi decisão minha. Um dia, olhei para o caderno da Mariana, a rapariga que se sentava ao meu lado nas aulas do secundário e decidi que a minha letra, por achar a dela belíssima, seria igual. Hoje, tenho a letra exactamente como a da Mariana. É tão bonita, quando escrevo bem, devagar e com uma boa caneta, que me emociono, de cada vez que completo uma linha, com uma frase qualquer.

Estou o dia inteiro dentro de uma sala castanha. Duas mesas castanhas, muito largas, carpete cinzenta, cadeiras forradas a laranja e o mais triste dos armários. Um guardador metálico onde repousa, sem funcionar muito bem, uma chave de plástico preta. Se ao menos a chave trancasse tudo. Se eu pudesse dar voltas à chave e trancar, durante o dia, tudo o que guardei nos primeiros meses, dentro do armário. Mas não. Tudo se encontra por arquivar, porque nada é meu. É uma sala realmente feia. E eu penso que esta sala me estava determinada. Que este espaço dependia já do meu corpo para existir, para ter uma finalidade, uma função. Para ser.

Sei que dizem coisas de mim. Em todo o lado se criam pequenos segredos sobre a minha presença. O que penso, o que farei com o tempo, como gosto dos outros, se o meu corpo é na realidade, despido, como parece ser. Crio mistérios do lado de cá. Às vezes, faço um grande esforço pelos outros. Duvido que eles percebam, mas isso torna-me melhor porque, nesses instantes, consigo ultrapassar-me, o que se está a tornar, realmente, um objectivo engraçado. Eu tenho muita força, não é fácil conseguir pôr-me em cima de mim. Coloco um corpo acima da cabeça, dois dos lados e um por baixo da terra, um corpo subterâneo que me suporte os pés. Todos eles exercem uma pressão ideal sobre o meu espaço que me conduz ao silêncio. Nesses momentos, fixo uma ponto angustiante dentro de mim. Pode ser um órgão, o fluxo do sangue nas veias, a curvatura da coluna quando me dobro, o sonho que tive na infância, qualquer coisa que possa dizer a alguém, uma esperança, a dor no peito de há um ano atrás, o sentimento sobre a imagem do nariz de um cão, um medo, um tique, o sabor da pastilha elástica. Há muitos pontos de salvação orgânica. Até esvaziar as possibilidades, consigo evitar mais algumas palavras. E se realmente existir, pelo menos, uma pessoa no mundo que não seja compreendida por ninguém? A natureza existe?

Pensar mais em objectos do que em pessoas, sobre a instrumentalidade do que possuo, permite-me sentir algumas coisas de uma forma diferente. Sabes em que penso muito? Em como ficava bem uma mesa de madeira, pequena e com o tampo assimétrico, encostada ao braço esquerdo do teu sofá. Pensar nisso, traz-me uma espécie de felicidade fora do ângulo do que vivo. Uma felicidade de ébano. Hoje está um dia de Inverno. Gostava de não temer o Natal, a chuva, o tempo escuro. Esperava que isso não fosse tão determinante na forma como me acho ao espelho.

« Digamos que o mundo é uma figura, há que lê-la ».

domingo, 31 de julho de 2011

« Love is a dress that you made, long to hide your knees »


Francesca: Robert, please. You don't understand, no-one does. When a woman makes the choice to marry, to have children; in one way her life begins but in another way it stops. You build a life of details. You become a mother, a wife and you stop and stay steady so that your children can move. And when they leave they take your life of details with them. And then you're expected move again only you don't remember what moves you because no-one has asked in so long. Not even yourself. You never in your life think that love like this can happen to you.

Robert Kincaid: But now that you have it...

Francesca: I want to keep it forever. I want to love you the way I do now the rest of my life. Don't you understand... we'll lose it if we leave. I can't make an entire life disappear to start a new one. All I can do is try to hold onto to both. Help me. Help me not lose loving you.

*


Robert Kincaid: Things change. They always do, it's one of the things of nature. Most people are afraid of change, but if you look at it as something you can always count on, then it can be a comfort.


Francesca: But love won't obey our expectations. Its mystery is pure and absolute. What Robert and I had, could not continue if we were together. What Richard and I shared would vanish if we were apart. But how I wanted to share this. How would our lives have changed if I had? Could anyone else have seen the beauty of it?

Robert: When I think of why I make pictures, the reason that I can come up with just seems that I've been making my way here. It seems right now that all I've ever done in my life is making my way here to you.

sábado, 30 de julho de 2011

sexta-feira, 29 de julho de 2011

: )

« All the lonely people, where do they all come from? All the lonely people, where do they all belong »

Eleanor Rigby
Beatles

terça-feira, 26 de julho de 2011

Hope

Mulher bonita, tem bom nome.




The trouble with the trouble
is the trouble in me.

the trouble is
the trouble says
it`s all troubling





sábado, 23 de julho de 2011

sexta-feira, 22 de julho de 2011

« A primeira palavra que Lucian Freud aprendeu a dizer, segundo a sua mãe, foi "alleine", que significa sozinho»

"Todas as minhas alegrias foram solitárias".

sexta-feira, 15 de julho de 2011

sábado, 9 de julho de 2011

muda o conceito, a aspiração é a mesma

- If i had a normal family and a good upbringing, then I would have been a weel-adjusted person


- Depends on what you call normal


- Yeah, it does. Well, you know, normal, like – like a mom and a dad and a dog and shit like that. Normal. Normal.


- So you didn`t have a normal dog?
- No, I didn`t have a dog.
- You didn`t have a – a normal dad?

- Didn`t have a dog or –or – or a normal dad anyway. That`s all right. I don`t fell sorry for myself. I mean, I feel like i`m – I feel like i`m, you know, weel-adjusted.

- What`s a normal dad?
- I don`t know
Há uns dias saiu-me isto e foi tão verdadeiro, que acho que é capaz de chegar a aforismo.

Eu não quero falar, estou farta de falar, quero é ver televisão.

quarta-feira, 6 de julho de 2011



« Eu desejava ser tanta coisa na minha vida. O meu sonho é tão alto nesse momento, era ter uma vida-lazer para mim e para a minha filha. Uma vida-lazer é assim: eu na minha casa, eu e a minha filha, com o companheiro que eu tiver ao meu lado, para eu esquecer esse momento todo, porque não dá certo. É triste a pessoa gostar sem ser gostada.

- Tu queria ter um amor?
- E como eu queria..
- Então diga aí, como você queria ter o amor?
- Eu queria um amor assim que seja reservado só para mim. Toda a hora que eu chegar encontrar ele, encontrar aquela pessoa só para mim. Eu acho romântico..


« Em casa ela é botânica e eu geólogo. Um estuda as falhas nas rochas e outro flores. Um escava a terra e tira pedras enquanto o outro, colhe flores. Um casamento perfeito. Todo o casamento é perfeito. Até que acaba »

« Gotas de orvalho artificiais em pétalas de flores de plástico. Não consigo mais trabalhar. Abandonei as rochas tectónicas. Fico olhando só para flores e pessoas »



« 6 semanas longe de casa são como 6 gotas de um calmante poderoso. Um calmante que não resolve a dor mas tranquiliza o juízo»

A gente sempre pensa que é um super-homem. Que faz tudo, que pode tudo, que resolve tudo. Até ao dia em que a gente leva um pé na bunda. Aí, a gente se sente perdido, fragilizado, confuso. Você não consegue ser determinado, solitário, individual. Não consegue nem mesmo terminar um relatório de viagem, não consegue se envolver, você se paralisa. É isso que eu sentia. Paralisia múltipla. Por isso fiz essa viagem. Para me mover. Para voltar a caminhar. Voltar a comer o sandwich de filé, voltar a andar de moto, voltar a ver o fortaleza ganhar, voltar a ir à praia no domingo, para voltar a viver»

sábado, 2 de julho de 2011

Belíssimo

«Aí, ele abria minha cabeça, com um bisturi, e saía pedacinhos do teu corpo, de dentro da minha cabeça, galega»

«Sinto amores e ódios por você. Sinto amores e ódios repentinos por você »

sexta-feira, 1 de julho de 2011



E lá vai deus sem sequer saber de nós
saibamos pois
estamos sós

terça-feira, 28 de junho de 2011

Save a prayer

A árvore da vida

« O pássaro liberta-se do ovo. O ovo é o mundo. Quem desejar nascer terá de destruir um mundo. O pássaro voa para Deus. Deus chama-se Abraxas»

« Os curativos foram dolorosos. Tudo quanto, desde então, me sucedeu, foi penoso. Mas se, por vezes, encontro a chave e desço profundamente dentro de mim, lá, no escuro espelho onde, latentes, repousam as imagens do destino, não me é necessário mais do que debruçar-me sobre o espelho negro para ver a minha própria imagem que agora se assemelha absolutamente a ele (...)»

Demian
H.H



Uma pessoa sabe o que fazer quando o tapete da porta a impede de fechar, quando o dinheiro que tem na carteira não chega para pagar a conta, quando o corte de cabelo ficou mal e interfere em toda as outras circunstâncias que vive. Quando o namoro acaba, quando o casamento acaba, quando se engorda mais do que se desejara na primeira gravidez, quando o amigo se afasta, quando o emprego de que se precisa, não existe, quando está desesperado à beira de tudo e se desiste ou se continua. Está tudo lá, à vista, para sermos ou deixarmos de ser, por capricho ou pouco gosto, para o que «der e vier» ou simplesmente, até onde calhar. Isso existe e está connosco, logo ali ou do outro lado da rua, para que possamos ver e achar, de mais perto ou mais longe, que tudo é possível e que pode ser, um dia, para nós.


O que uma pessoa não sabe fazer é aprender a acreditar que o nosso instinto de nós, não pode ser salvo pela mãe, pela melhor amiga, pelo grande amor, pelo acaso, pela natureza e por tudo o que, invisível ou explícito, está preso ao que somos e nos condena. O que nós não entendemos mesmo, é que começamos a descobrir o fim das coisas, na primeira pessoa que se aproximou de nós, nos que nos embalaram e nos entregaram a Deus, para que, de alguma forma, Deus conseguisse ficar a saber de cada um, mais do que uma lupa miraculosa permite, sobre as letras minúsculas que um velho míope tenta ler. No primeiro riso, na primeira vez que firmamos o pequeno pé no chão e nos erguemos, orgulhosos de uma coisa que não vemos, que nunca chegaremos a ver e da qual, irremediavelmente, fugimos: a possibilidade criminosa de matarmos tudo o que somos e todos os outros que são nesse momento, connosco, felizes.
E somos fotografados assim: a mentir sobre nós.

Confiar em Deus para qualquer coisa, devia equivaler, em intencionalidade, a entregar o ritmo da nossa respiração, nas mãos mais macias que encontrássemos durante a manhã, ao percorrer o caminho que fazemos todos dias em direcção a nós próprios. Se Ele vê, se Ele vê que aquilo que nos move está cheio de lama e paz, de sabedoria e grotesco, de sentido e irracionalidade, mas não põe a mão, de pouco serve que ao nascer, sejamos todos, imaculadamente, bons.

Teoricamente, estamos a viver.


terça-feira, 14 de junho de 2011

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Boa sorte* : )




Suspenderam a viagem
Fui parar em outro trem
Que beleza de paisagem
Fomos rumo a Belém


Agora que é tempo
Colher fruta madura no vento
Pequi não sai do meu pensamento
Bacia cheia de manga bourbon


Nasce um sol, nasce uma noite
E um menino também vem
Que beleza de paisagem
É meu filho e passa bem


Agora é tarde, não dá para adiar a viagem
João tem três anos de idade
Não quero merecer outro lugar
Volto quem sabe um dia
Porque os trilhos já tiraram do chão
Olho as tardes, vivo a vida
Nada é em vão





quinta-feira, 26 de maio de 2011

FAQ`s com falta de especificidade..

 « Diz-se na gíria que “só os malucos é que vão ao psicólogo”. Isto é verdade?


Não. A intervenção é sempre feita com base em pressupostos científicos, independentemente da perturbação ou da fase de vida específica (ou episódio isolado) pela qual a pessoa está actualmente a atravessar. Qualquer pessoa sem nenhuma perturbação diagnosticada poderá beneficiar de uma intervenção psicológica aumentando o conhecimento de si própria ou trabalhando qualquer tipo de questões vivenciais (existenciais). »


« [...] O imoralismo teórico é mais repreensível do que qualquer acção imoral [...]»

Italo Svevo
A consciência de Zeno

segunda-feira, 23 de maio de 2011

«There`s only two kind of love storys in this world: boy lose his girl, girl lose his boy»

quinta-feira, 19 de maio de 2011

« What is home to you? The arms of your lover or the place where you hide from the fingers of your demons? Is it the road ahead or the chair where you’ll seat at the end of the journey? Is it a travelling circus tent, a sinking ship or the lighthouse that stands on solid ground? Is it the place where you live or the resting ground for your ageing bones? Is it a hill on sacred ground or the stones that pave the floor for a godless revolution?

Is it a nameless street, the walls of a room or a wooden drawer filled with the memories of youth? Is it a wish, a lost possession or that thing beating inside your chest? Is it a crowded stage without a ceiling, a silent corridor or the tinkling sound of a music box with dancing dolls? Is it a landscape on canvas, the dust covering your floor or is it the simple comfort of having a body that knows no pain? »

quinta-feira, 12 de maio de 2011

"não é o demónio. Não, não. São coisas escuras que estão cá dentro. Não sei o que é. É como se fosse um papão"

E é.

“O humor é um êxito de conversação"

Borges

quinta-feira, 5 de maio de 2011

às vezes penso nisto.


The arms you cut off that Sunday night
Of the young man who ran screaming through the street,
Streaming blood in trails of terror
Are the arms that point me to my door,
Which forsaken by the blood of Jesus,
Invites the Devil, who now waits for me outside.
The arms that you cut off that Sunday night
Are the arms that point to the red eyes
Of the pentecostal killers and the black eyes
Of the roman catholic killers and the blue eyes
Of the pinhead skinhead killers,
And the dirty angel does his target practice night and day,
Making ready now to steal my soul away.
The arms that you cut off that Sunday night
Are the arms that wait between my T.V. and my gun,
While the winks and smiles of singing debutantes and eunuchs whisper,
"We don’t want you, Unclean, lying there in vomit, filth, and perspiration,
coming back with Jesus or with Elvis from the dead."
The arms that you cut off the body
Of the screaming young man
Dance before my eyes the endless murder of my soul
Which, taunted every hour by open windows,
Has kept itself alive with prayer,
But not for miracles,
And not for heaven,
Just for silence,
And for mercy
Until the end.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Está bem. Mas deus não diz mais?

Pode-se viver muito bem
sem nada mais do que estes privilégios quotidianos:
uma carta na caixa do correio, o barulho de uma vaga,
o azul sobre a planície, as palavras de um poema.
O universo reduzido a poucos vínculos
ao trajecto habitual
da sua própria morte.

Pode-se muito bem não ser mais
do que uma aventura de átomos e de questões insignificantes.

Hélène Dorion

domingo, 1 de maio de 2011


A questão do trabalho que tens é tão importante como aquilo que passas, todos os dias de manhã, para continuar a conseguir amar os outros. Sobrevalorizar o coração e entendê-lo como o grande salvador de todas as outras coisas que te acontecem, que te causam desconforto, angústia, na projecção de um prolongamento futuro, não me parece, de todo, uma coisa humana. Assemelha-se a salvar a morte de um filho, com uma nova gravidez. Não existe. Não podes amar bem a tua vida, se não fazes uma coisa que gostas, se não trabalhas numa coisa que gostas ou, melhor, numa coisa que te ensina, ela própria, a gostar disso. Ou então, que te pague o suficiente a outro qualquer nível, e que essa alternativa te substitua a certeza que devias ter dentro da cabeça de que tens uma função séria. A moral sobre os outros, é sempre mais resplandencente. É sempre mais claro, mais transparente, achar as coisas dos outros fáceis de suportar, arranjar-lhe estratégias de desvio do nada. Esse sentimento vigoroso que atravessa a nulidade de não entenderes para que serve isto ou aquilo, e simultaneamente, te impulsiona a dizer, todos os dias, “coisa com coisa”.   Saber para que serve tudo é fundamental. Isto torna-se relativamente difícil, quando ganha os contornos de percurso. A partir do momento em que as situações se repetem, em que não gostas das coisas repetidamente, em que desgostas do que fazes, do que és a fazer o que fazes, ao longo  das oito horas diárias, repensas a tua presença no meio delas e a força que as outras coisas têm de ter na tua vida, para tu suportares aquela. Aqui, faz-se a diferença entre nós e os outros. A força que cada um põe, naquilo que tem. Quando procuras sem saber o quê, e desgostas daquilo que consegues, quando chegas a uma coisa e pensas não é isto, não pode ser isto a vida toda, tudo se torna bem mais misterioso do que a sombra da porta entreaberta.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Tu estás aqui, mas este lugar é tão vasto que estar um junto do outro significa já estar tão longe que não chegamos nem a ver-nos nem a ouvir-nos


Sim. Fotografaria aquilo que Tchékhov escreveu. Isto quer dizer qualquer coisa como, tudo é humilhante na realidade, mas eu apenas consigo sentir isso e não manipulá-la. E talvez seja importante saber manipular o que se sente sobre a realidade. A função do cinema deveria ser essa. Ajudar-nos a ler da forma certa, da perspectiva universal, através dos olhos de deus. Todos os dias. Talvez seja importante conseguir fazê-lo por ti e pelo o outro. Para ti e para o outro. Nos dias bons, não digo a verdade. Acho que não digo a verdade, que não a sou. Pensava isto no metro, enquanto o sujeito gordo à minha beira, excêntrico e deformado, cantava “ai sorte, ai sorte, ai sorte, sorte, sorte, sorte” seguindo-se  a isto, uma solene gargalhada final. Percebi bem o que ele queria dizer com aquilo e porque se sentou justamente, ao pé de mim. Para acrescentar absolutamente nada à minha cabeça.
Na verdade, o meu alter ego, passará por uma das personagens com quem me cruzo no metro. Sou principalmente, o cego que segue a própria música, atirando blasfémias ao mundo, só porque sim. Porque se nos dias bons, eu não sei ver, o que farei com a certeza dos maus dias? Lá está, nesses dias, ele saberá  claramente o que fazer com o que sente. Cantar.

Trouble with dreams is they don't come true
And when they do they can't catch up to you

Trouble with dreams is you never know
When to hold on and when to let go

Trouble with dreams is you can't pretend
Something with no beginning has an end











Fin

As coisas bem resolvidas são, geralmente, simples.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Música

Ai, Margarida,
Ai, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,

Que farias tu com ela?
— Tirava os brincos do prego,
Casava c'um homem cego
E ia morar para a Estrela.

Mas, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que diria tua mãe?
— (Ela conhece-me a fundo.)
Que há muito parvo no mundo,
E que eras parvo também.


E, Margarida,
Se eu te desse a minha vida
No sentido de morrer?
— Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.


Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fosse senão poesia?
— Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem efeito.
Nesta casa não se fia.

Álvaro de Campos

Ondine

misery's easy, it's happiness you have to work at.


segunda-feira, 11 de abril de 2011

e às vezes tenho árvores escondidas na gaveta, e nem sei que dizer

Este foi, sem dúvida alguma, o mais estranho sonho de sempre.

domingo, 10 de abril de 2011


 Com o ouvido atrás da porta: «Olha, o que era bom era que a gente fosse mocinhas outra vez»

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A falha na parede que aparece na fotografia que vi, lembra-me uma marca no rosto, já esquecida, com que nasci.

terça-feira, 5 de abril de 2011


Naturalmente é de noite. O meu caminho tem um som estranho. Pó aqui, pó daquele lado. Mas prossigo. E depois o Inverno. A chuva conduzindo todas as ruas. A lugar algum. Jovem como eu, velha como eu. O amanhã, o homem cego. A vida entre as janelas enterradas. A parede. O silêncio. O que eu quis fazer. Caminhar, cantando.

( A itálico, a paciência. A vermelho, a verdade)


Ar

Naturalmente é de noite.

Sob o alaúde virado com a sua
Única corda eu sigo o meu caminho
O qual tem um som estranho.
Pó aqui, pó daquele lado.
Escuto os dois lados
Mas prossigo.
Lembro-me das folhas
Paradas nas suas deliberações
E depois o inverno.

Lembro-me da chuva com o seu feixe de estradas.
A chuva conduzindo todas as suas ruas.
A lugar algum.
Jovem como eu, velha como eu.

Esqueço o amanhã, o homem cego.
Esqueço a vida entre janelas enterradas.
O olhar das cortinas.
A parede
Crescendo entre as perpétuas.
Esqueço o silêncio
O autor do sorriso.

Isto deve ser o que eu quis fazer.
Caminhar de noite entre os dois desertos,
Cantando.

W. S. Merwin

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Morte Súbita

não quero morrer às vezes.

quero morrer em bloco
mas também
não quero que seja entre

o espaço e o tempo
porque entre o espaço
e o tempo
não há um para sempre,

nem nunca houve.


S.B.
Anna Swir


O mesmo interior


A caminho de tua casa para um festim de amor
vi na esquina de uma rua
uma velha pedinte.


Peguei na sua mão,
beijei a sua face delicada,
conversámos, ela tinha
o mesmo interior que eu,
do mesmo género,
senti-o instantaneamente
como um cão conhece pelo cheiro
outro cão.


Dei-lhe dinheiro,
não conseguia separar-me dela.
Afinal, todos precisamos
dos que nos são próximos.



E depois eu já não sabia
porque caminhava para tua casa.
Acordei com um sabor cítrico.


quarta-feira, 30 de março de 2011

As duas palavras que são uma prece
Uma coisa sabes quando as dizes:
por toda a terra há gente a dizê-las contigo;
uma criança proferindo-as quando a apreensão a domina,
uma mulher recitando-as sobre um berço num hospital.
E se apanhares um táxi que vá por Tenderloin:
a uma luz vermelha, um homem com um gorro,
fios de lã desenredando-se ao longo do rosto, bate no vidro;
e diz, Por favor.
No momento em que ouves o que ele diz
a luz muda, o táxi afasta-se
e tu não voltas atrás, sabendo contudo
que alguém acabou de te suplicar tal como tu suplicas.
Por favor: duas palavras tão breves
que tanto se podem perder no ar
como flutuarem - como penas que são - até chegarem a Deus,
batendo e batendo, e finalmente
caindo na terra como chuva,
como pepitas de gelo, embebendo um ramo negro,
recolhendo-se nos esgotos, infiltrando-se no solo,
e tu caminhas com este tempo todos os dias.

Ellery Akers

terça-feira, 29 de março de 2011

luck is a hunchback travelling light with rags and transistors to hold up the sky

quinta-feira, 24 de março de 2011

três músicas que gostava de conseguir ouvir para sempre







International Man of Misery


 Acho que sei de uma coisa. As pessoas matam-se, desejam desaparecer, porque já não sabem explicar nada. Não sabem explicar o bom, o mau, o útil, o excesso, a vergonha, o tempo, o que comem, o que vestem, o sorriso, o choro.
Deixam de ter formas de explicar o que sentem, deixam de existir gramáticas que contenham estruturas suficientes para suportar um conteúdo que já não tem forma. Se eu quisesse dizer porque estou triste, porque sou triste, porque ouço música triste, porque sempre senti tristeza sobre as coisas, não conseguia. Desistia. Se alguém me pergunta o porquê das coisas que sinto, que senti, eu não sei responder. Mas sei o que vou sentir. Já lá estou, antes de lhe chegar com a pele.
Quando há muita coisa para dizer, muita queixa para fazer, muita pena, muita dúvida, muita alegria, muita angústia, muito desejo, muito desespero, muita esperança, muita vontade de abraçar, muito medo, como é possível não ter nada para dizer?
A concentração diminui a capacidade de movimento.

Don`t you have a word to show what may be done
Have you never heard a way to find the sun
Tell me all that you may know
Show me what you have to show
Tell us all today
Won`t you come and say
If you know the way to blue 

Have you seen the land living by the breeze
Can you understand a light among the trees
Tell me all that you may know
The way to blue 

Também já estive convencida que era o Nick Drake. 19 de Junho.

sábado, 19 de março de 2011

Vem, não te atrases
Eu perdoo-te a demora. 
Se morares nos meu abraços e nunca mais me deixares.

terça-feira, 8 de março de 2011

K-Pax



E se um dia ou uma noite um demónio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há-de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeira da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demónio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

Gaia Ciência. 
N.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Morrer de manhã

Há qualquer coisa na passagem do tempo, na marca da existência, que eu não sinto.
Estou intacta.

sábado, 5 de março de 2011

terça-feira, 1 de março de 2011

Conclusão, a partir da observação de uma série de árvores num passeio:

Não podemos ir além daquilo que a experiência nos permite pensar.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

LA JAULA


Afuera hay sol.
No es más que un sol
pero los hombres lo miran
y después cantan.
Yo no sé del sol.

Yo sé la melodía del ángel
y el sermón caliente
del último viento.
Sé gritar hasta el alba
cuando la muerte se posa desnuda
en mi sombra.

Yo lloro debajo de mi nombre.
Yo agito pañuelos en la noche y barcos sedientos de realidad
bailan conmigo.
Yo oculto clavos
para escarnecer a mis sueños enfermos.
Afuera hay sol.
Yo me visto de cenizas.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

As putas falam assim:

" Não há poder de compra"
" Isto até é uma vida saudável"
" Tinha 22 anos e conheci uma pessoa. Mas não sou obrigada"
" Hoje, por exemplo, é um dia em que não me apetece ser prostituta ou lá o que é"
" A minha mãe já comeu, o meu filho já comeu.."
" Vou ter de me deitar com este, com aquele. Porquê?"
" Ali, na rua Latino Coelho"

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Reza a lenda que o aspirador central está em todos os cantos da casa. Por isso lhe chamam central.
Terá o mesmo efeito nas superfícies do cérebro?
(preciso de um aspirador central para a minha cabeça. Preferencialmente, que dê para puxar de divisão para divisão).