A árvore da vida
« O pássaro liberta-se do ovo. O ovo é o mundo. Quem desejar nascer terá de destruir um mundo. O pássaro voa para Deus. Deus chama-se Abraxas»
« Os curativos foram dolorosos. Tudo quanto, desde então, me sucedeu, foi penoso. Mas se, por vezes, encontro a chave e desço profundamente dentro de mim, lá, no escuro espelho onde, latentes, repousam as imagens do destino, não me é necessário mais do que debruçar-me sobre o espelho negro para ver a minha própria imagem que agora se assemelha absolutamente a ele (...)»
« Os curativos foram dolorosos. Tudo quanto, desde então, me sucedeu, foi penoso. Mas se, por vezes, encontro a chave e desço profundamente dentro de mim, lá, no escuro espelho onde, latentes, repousam as imagens do destino, não me é necessário mais do que debruçar-me sobre o espelho negro para ver a minha própria imagem que agora se assemelha absolutamente a ele (...)»
Demian
H.H
H.H
Uma pessoa sabe o que fazer quando o tapete da porta a impede de fechar, quando o dinheiro que tem na carteira não chega para pagar a conta, quando o corte de cabelo ficou mal e interfere em toda as outras circunstâncias que vive. Quando o namoro acaba, quando o casamento acaba, quando se engorda mais do que se desejara na primeira gravidez, quando o amigo se afasta, quando o emprego de que se precisa, não existe, quando está desesperado à beira de tudo e se desiste ou se continua. Está tudo lá, à vista, para sermos ou deixarmos de ser, por capricho ou pouco gosto, para o que «der e vier» ou simplesmente, até onde calhar. Isso existe e está connosco, logo ali ou do outro lado da rua, para que possamos ver e achar, de mais perto ou mais longe, que tudo é possível e que pode ser, um dia, para nós.
O que uma pessoa não sabe fazer é aprender a acreditar que o nosso instinto de nós, não pode ser salvo pela mãe, pela melhor amiga, pelo grande amor, pelo acaso, pela natureza e por tudo o que, invisível ou explícito, está preso ao que somos e nos condena. O que nós não entendemos mesmo, é que começamos a descobrir o fim das coisas, na primeira pessoa que se aproximou de nós, nos que nos embalaram e nos entregaram a Deus, para que, de alguma forma, Deus conseguisse ficar a saber de cada um, mais do que uma lupa miraculosa permite, sobre as letras minúsculas que um velho míope tenta ler. No primeiro riso, na primeira vez que firmamos o pequeno pé no chão e nos erguemos, orgulhosos de uma coisa que não vemos, que nunca chegaremos a ver e da qual, irremediavelmente, fugimos: a possibilidade criminosa de matarmos tudo o que somos e todos os outros que são nesse momento, connosco, felizes.
E somos fotografados assim: a mentir sobre nós.
Confiar em Deus para qualquer coisa, devia equivaler, em intencionalidade, a entregar o ritmo da nossa respiração, nas mãos mais macias que encontrássemos durante a manhã, ao percorrer o caminho que fazemos todos dias em direcção a nós próprios. Se Ele vê, se Ele vê que aquilo que nos move está cheio de lama e paz, de sabedoria e grotesco, de sentido e irracionalidade, mas não põe a mão, de pouco serve que ao nascer, sejamos todos, imaculadamente, bons.
Teoricamente, estamos a viver.